SALADA DE SIGLA, CALDO DE GENTES...
Povos e comunidades tradicionais da Amazônia vivem num grande dilema: esperar pelas políticas públicas que não chegam ou se aventurar no tenebroso “mercado verde” em busca de algum recurso financeiro que lhe permita atender necessidades básicas geradas pós-contato.
Na Amazônia desde a década de 50 a ofensiva governamental se estabeleceu com um propósito: incluir esta vasta região no processo produtivo para ajudar o Brasil a crescer, isso mesmo, “integrar a Amazônia para não entregar”, mas o resultado deste processo foi ao contrário pela forma com que os povos e comunidades tradicionais se encontram atualmente.
Para tornar esta ocupação palpável foi criado o PIN - Plano de Integração Nacional e o PND – Plano Nacional de Desenvolvimento para Amazônia. Empresários foram trazidos de navios para conhecer os rios das Amazonas e mirar as belezas e fazer planos para ocupar esta “terra sem gente para gente sem terra”. As grades estradas que se tornariam importantes eixos de atração de migrantes: Belém – Brasília; Transamazônica, Marechal Rondon (BR364) foram sendo abertas aos poucos e permitindo que novas gentes chegassem, não mais pelos rios (seringueiros), mas agora pelas estradas de terra e com modos diferentes. Para promover “limpeza de área”, empresas de colonização e o SPI – Serviço de Proteção ao Índio atuavam em conjunto, deslocando os desterritorializados para colônias de redução indígena, também chamado postos de atração indígena, a exemplo de Ariquemes/RO com a Colônia Rodolpho Miranda.
Não bastava ter planos, era preciso ter grana para atrair estes investidores: mineradoras, madeireiras, criadores de gado e outros agentes utilizados na frente da colonização recente da Amazônia. Para dar suporte financeiro foi criado o BASA – Banco de Superintendência da Amazônia e a SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, com juros atrativos. O Governo fez sua parte e ainda criou o Projeto POLAMAZÔNIA na década de 70 e em seguida o POLONOROESTE – Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil. Ai chega o asfalto às rodovias e de
Cuiabá à Manaus vai rapidinho pelas BR 364 e 319.
Nesse rastro milhares de migrantes rumam à terra prometida. De forma desordenada caminhões e mais caminhões chegam a Rondônia carregados de gentes. O IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, transformado em INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária têm uma
grande missão: distribuir terra para todos os migrantes que aqui chegavam, com ou sem dinheiro, cada um ia ocupando áreas antes de floresta nativa agora transformadas em cinzas, carvão...pinta-se uma nova história neste território... eram os homens sem terras, vítimas dos bancos no sul e sudeste
(porque perderam produção por causa das geadas e com isso tiveram suas terras hipotecadas pela instituição de financiamento), para as terras sem homens, já que os povos indígenas foram apagados, exterminados e empurrados para outras regiões mais distantes do eixo da rodovia. Para ter direito ao documento da terra os migrantes tinham que desmatar e tornar a terra produtiva nos moldes das terras de origens destes.
Histórias de massacres de povos indígenas diante dessa sanha por novas terras não são poucos. Entre eles destacamos: Massacre do Paralelo 11 que vitimou uma aldeia do Povo Cinta Larga pela frente de minério, colonização e madeira em Juruena-MT, final dos anos 60; Massacre dos Oro Win por garimpeiros no rio São Luiz, alto Pacaás Novos final dos anos 60; Massacre dos conhecidos por povo Uru Eu Wau Wau com a abertura da BR 429 de Médice a Costa Marques já no início dos anos 80, cujo processo se deu com os Nambiqkawara, Suruí, Arara, Karitiana, Karipuna, Tenharin, Kaxarari entre tantos outros, por doenças, tiros e perda do território.
Enquanto os povos indígenas lutavam para manter a mãe natureza viva, contra a invasão de suas terras, numa luta solitária de povo a povo, a política governamental incentivava a migração e a destruição da floresta... Foi a grande noite para os povos indígenas... Foram enchendo o mundo de cinza, fumaça, poluição, matando os rios e igarapés...
Era da corrida do Brasil rumo ao tão sonhado primeiro mundo, mas os países mais ricos já estavam percebendo que o esgotamento dos recursos naturais estava comprometendo seu crescimento econômico. Um dos marcos desta reflexão é a Rio 92 ou a ECO 92, onde os olhos do mundo se voltam para a Amazônia e esta é considerada o “pulmão do mundo”, mas aqui transformada em balcão de negócios, em fornecedora de matéria prima. E os sete países mais ricos, unidos no PPG7 – Programa Piloto do Grupo dos 7 decidiram fazer doações ao Governo brasileiro para que investisse em ações de proteção da Amazônia, para criar as UC´s – Unidades de Conservação. Em Rondônia (1995) foi aprovado pelo Word Bank – Banco Mundial o financiamento para o PLANAFLORO – Plano Agroflorestal de Rondônia, numa tentativa de minimizar os impactos negativos causados pelo POLONOROESTE, chegando a construir um novo ZEE/RO – zoneamento econômico e ecológico, porém não respeitado nem mesmo pelas autoridades que o aprovaram.
Para tentar impulsionar a demarcação de terras indígenas, já que o Governo brasileiro não disponibilizava recursos para tal, doações de Governos da Alemanha, Grã Bretanha, Inglaterra entre outros, constituiu o fundo PPTAL – Projeto Piloto para Demarcação de Terras Indígenas e o PDPI – Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas para ações sócio-produtivas, mas em Rondônia esses dois projetos foram poucos acessados e o passivo social e ambiental para com os povos indígenas não foram sanadas, conflitos se agudizaram em novas frentes de expansão agropecuária e madeireira e estas terras se constituem, somadas com as extrativistas, nas únicas reservas de florestas. Esse exemplo pode ser seguido no estado do Acre, Mato Grosso, Pará e Tocantins.
São justamente as áreas restantes de floresta amazônica que a tal economia verde está de olho. Isso significa que a floresta antes tida como um “inimigo a ser vencido” agora passa a ter valor mercadológico, mas não mais simplesmente pela matéria prima extraída e sim com os créditos de carbono que ela pode gerar para empresas que poluem em seus países e que adquirem áreas florestadas, como forma de compensar pela emissão de gases poluentes em suas ações produtivas. Suas ações são orientadas pelos acordos globais (governos e empresas) em torno da iniciativa de REDD – Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, aprovada na COP15 – Cooperação das Partes.
As críticas a esta iniciativa são muitas devido exemplos de projetos REDD pelo mundo que tem provocado desde o congelamento a expulsão de povos em seus territórios, conflitos entre povos e a violação dos direitos indígenas no caso brasileiro, já que “a terra indígena é um bem inalienável” (Art. 231 CF).
Frente a isso as inovações no nome, na tentativa de camuflar os resultados finais (compensar emissão de poluição) tem gerado uma grande salada tais como: REDD+ (redução de emissões por desmatamento e degradação e da conservação, com manejo sustentável e aumento de ‘reservas’ de carbono); ou REDD Plus (insere a adição de programas de conservação e manejo florestal); como se não bastasse tem o REDD Amazônico (numa proposta em construção) de pensar as especificidades Panamazônica, cujo mecanismo de compensação pelos serviços ambientais prestados pelas comunidades se daria pela implantação de políticas públicas e o crédito de carbono deveria ser considerado bem comum do povo brasileiro, já que “o meio ambiente é um bem comum”, conforme o Artigo 225 da Constituição Brasileira.
Isto posto, nota-se que a ofensiva do capital, capitaneado por governos e empresas, numa rota de manutenção do capital, de crescimento econômico e por isso criando novas formas de atrair interessados, tem envolvidos organizações sociais dos povos indígenas nas diversas escalas, assim como empresas de prestação de consultorias ambientais até empresas mediadoras de negócios na grande bolsa de valor da “Economy Green”. Dois casos emblemáticos para análise em Rondônia é o Fundo Carbono Suruí e o Projeto REDD Oro Nao´, com processos e resultados diferenciados num mesmo objetivo empresarial.
Atores sociais discordantes destas iniciativas mercadológicas passam a ser tratados como inimigos de mercado ou contra o desenvolvimento daquele referido povo. O que está em jogo nesta grande salada de sigla: de projetos de governo, de empresas, de ONG´s, de projetos REDD é a manutenção dos lucros do capital, enquanto que os povos e comunidades com suas culturas e modos de usos do território, estão virando um grande caldo na salada de fruta do mercado verde, pois não importa o que pensam, como vivem, que estes conseguiram proteger à custas de milhares de vidas, mas sim a floresta e os créditos que isso pode gerar para as empresas na manutenção do capital especulativo.
(TEXTO NÃO PUBLICADO EM OUTRA FONTE...)
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