domingo, 19 de novembro de 2017

VEREDITO DO I TRIBUNAL HIDRELÉTRICAS DO MADEIRA NO BANCO DOS RÉUS

"ÁGUAS PARA A VIDA E NÃO PARA A MORTE"
Foto: Uill Alves

OS ORGANIZADORES DO I TRIBUNAL POPULAR - HIDRELÉTRICAS DO MADEIRA NO BANCO DOS RÉUS, REALIZADO NO DIA 14 DE NOVEMBRO, NO AUDITÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, NA CIDADE DE PORTO VELHO/RO, TORNAM PÚBLICO O TEXTO DO VEREDICTO DO I TRIBUNAL POPULAR DESTA NATUREZA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA, SENDO ELES: 
GRUPO DE PESQUISA ENERGIA RENOVAVEL SUSTENTAVEL-GPERS/UNIR; INSTITUTO MADEIRA VIVO-IMV; MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS-MAB; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA-CPT; CONSELHO INDIGENISTA MISSIONARIO-CIMI; CENTRAL DE MOVIMENTOS POPULARES-CMP; PASTORAIS SOCIAIS DA ARQUIDIOCESE DE PORTO VELHO; ORGANIZACIÓN COMUNAL DE LAS MUJERES AMAZONICAS DE BOLÍVIA; COMITE BINACIONAL DEFENSORES DA VIDA AMAZÔNICA EN LA CUENCA DEL MADEIRA E ALIANZA DE LOS RIOS PANAMAZONICOS.

A FRASE DE ENCERRAMENTO DO TEXTO DO VEREDICTO "ÁGUAS PARA A VIDA E NÃO PARA MORTE", EXPRESSA, PARA ALÉM DA LUTA DO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS O SENTIMENTO E A CONDENAÇÃO DOS QUE AGIRAM E AGEM CONTRÁRIOS A ESTE DIREITO ESSENCIAL QUE É A VIDA DOS POVOS E COMUNIDADES DO CAMPO, DA CIDADE, DAS FLORESTAS E DAS ÁGUAS EM TERRITÓRIO BRASILEIRO E BOLIVIANO.

LEIAM ABAIXO A INTEGRA DO DOCUMENTO:

VEREDICTO DO 1º. TRIBUNAL POPULAR: HIDRELÉTRICAS DO MADEIRA NO BANCO DOS RÉUS


No dia 14 de novembro de 2017, no auditório do Ministério Público Estadual, do Estado de Rondônia, na cidade de Porto Velho, foi realizado no período das 14hs às 18hs, o primeiro Tribunal Popular intitulado Hidrelétricas do Madeira no Banco dos Réus, organizado por ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS DE POVOS E COMUNIDADES DO CAMPO, DA CIDADE, DAS FLORESTAS E DAS ÁGUAS DA BACIA DO RIO MADEIRA, do Brasil e da Bolívia. 
O corpo de Jurados e Juradas, composto por pessoas, que defendem e promovem a Defesa dos Direitos Socioambientais, fundamentais para as atuais e futuras gerações, sendo elas: bispo emérito Dom Antonio Possamai; Pastor Aluizio Vidal; senhor Claudinei Lucio Soares dos Santos, graduando em Direito pelo PRONERA na Bahia e militante do MST em RO; jornalista Luciana de Oliveira e Silva e o Deputado Lazinho da FETAGRO, sob a Presidência deste Magistrado, Marco Aurélio Bastos de Macedo.

Foram ouvidas oito testemunhas presentes, representantes da etnodiversidade social, cultural e intelectual dos povos que, com suas vidas, enfrentam no dia-a-dia os desafios colocados pela implantação do Complexo do Madeira, sendo elas: senhora sacerdotisa Marlene de Souza Monteiro (representando as comunidades religiosas de matriz africana); senhor Jayro Moreira Rodrigues (representando os moradores de comunidades periurbanas de Porto Velho); senhor Iremar Antonio Ferreira (representando pesquisadores comprometidos com os movimentos sociais); senhor Márcio Santana de Lima, pescador (representando os pescadores da bacia do rio Madeira); o senhor João Marcos Rodrigues Dutra, membro do MAB (representando as milhares de famílias articuladas pelo MAB e violentadas pelas hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau); senhor Francisco das Chagas, agricultor familiar (representando os agricultores familiares do Projeto de Assentamento Joana Dark duramente afetado pela formação dos lagos das usinas); senhor Juan Carlos Ojopi Barba, ex-deputado, campesino e educador, boliviano (representando os inundados em seus direitos em território boliviano diretamente pela formação do lago da UHE Jirau); e senhora Ana Flávia Nascimento – atingida pelas UHE´s Santo Antonio e Jirau, representa os moradores de Jaci-Paraná e Nova Mutum.

Foram ouvidas ainda onze testemunhas complementares sendo elas: senhor Orlando Karitiana – presidente da Associação do Povo Karitiana; senhor Elivar Karitiana, membro do povo Karitiana; senhor José Inácio Cassupá, presidente da Associação do Povo Kassupá; senhora Laura Vicuña, coordenador do Conselho Indigenista Missionário/CIMI/RO; senhora Gigliane Damasceno, representante dos moradores da Vila Nova Teotônio, antiga cachoeira do Teotônio; senhora Hilda Azevedo, militante social urbana; senhora Rosália Oliveira, membra da Central de Movimentos Populares; senhor Eracílio Vieira da Silva, morador de Jaci-Paraná; senhora Ivaneide Bandeira, da Associação Etno-Ambiental Kanindé; senhor Padre Juquinha, membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho e da Pastoral Carcerária; senhora Ivanilce de Souza Andrade, militante do MAB em Abunã e filha da senhora Nicinha, brutalmente assassinada em 2016, cujo depoimento encheu de emoção todos os presentes que, invocaram a presença e a força de Nicinha.

Após manifestação do advogado popular de acusação, o Corpo de Jurados e Jurada se reuniu e PASSA AGORA À EMISSÃO DO VEREDICTO DO 1º. TRIBUNAL POPULAR: HIDRELÉTRICAS DO MADEIRA NO BANCO DOS RÉUS, concluindo que, as Hidrelétricas construídas no Rio Madeira, associadas a elas, empresas e governos com seus órgãos licenciadores, são responsáveis e culpadas pela destruição dos modos de vida, de cultura, de tradições, da economia e do meio em que as pessoas afetadas vivem, no campo, nas cidades, vilas, distritos e comunidades, nas florestas e nas águas, em aldeias, seringais, beiradões, igarapés, rios, lagos e barrancas, no lado brasileiro e na parte boliviana da grande extensão da bacia do Rio Madeira, no qual se unem, num só caminho de vida, que corre sem fronteiras, os rios Abunã, Madre de Díos, Itenez, Mamoré, Pacaás Novos, Sotério, Branco, Guaporé e tantos outros interligados, como veias coronárias da Mãe Terra. 

Conclui, também, que todas as promessas feitas à vasta e diversa população desta região, no sentido de que as obras do Complexo Hidrelétrico do Madeira seriam a vanguarda do desenvolvimento, do progresso e da distribuição de riquezas, por meio de serviços públicos de qualidade, de indenizações, benfeitorias e compensações, contrastam com a realidade apresentada, com riqueza de detalhes, pelas testemunhas ouvidas, de sonhos frustrados, tristezas e lágrimas, partilhados por inúmeras pessoas, num doloroso rastro de destruição e morte no lado brasileiro e boliviano.

Observa-se, nesse particular, que as 33 Condicionantes apresentadas pelo IBAMA, no ano de 2007, para concessão do Licenciamento Ambiental da UHE Santo Antonio, a fim de dar início e impulsionar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) na Amazônia, serviram unicamente para revestir de legalidade as ações das empresas envolvidas no processo de retirada das populações de seus territórios, enquanto desmatavam, enterravam e sepultavam madeiras, e criminalizavam pessoas, lideranças e movimentos que se opunham à forma violenta de desagregação provocada nas famílias com o processo de remanejamento e recebimento das cartas propostas e das migalhas oferecidas pelos Consórcios Santo Antônio Energia (liderado por Odebrechet e Furnas) e Energia Jirau (liderado pelo grupo franco-belgo Suez Tractebel/GDF Suez). 

Diversos programas socioambientais do Plano Básico Ambiental (PBA), algumas condicionantes específicas, tais como: Programa de Apoio às Atividades Pesqueiras, Programa de Remanejamento da População Atingida, Programa de Monitoramento do Lençol Freático, Programa Saúde Pública, Programa de Hidrossedimentológico, vem sendo sistematicamente descumpridos, o que deveria, para este Corpo de Jurados, levar o IBAMA a suspender ou cancelar a Licença de Operação. Entretanto, ao que indica, prevalece a conivência prevalece em detrimento do cumprimento das normativas ambientais, prática passiva e comum aos dois empreendimentos: UHE Santo Antonio e UHE Jirau.

Constata-se que milhares de processos individuais e/ou coletivos tramitam na Justiça Comum em busca do Direito negado pelos consórcios, muitos dos quais ainda aguardam uma decisão definitiva. 
Do Rio, foi tirado o direito essencial de ser livre para criar vidas. Violou-se o direito humano do rio Madeira e de seus formadores.

Do pescador, foi tirado o direito de pescar e, do peixe, o direito de se reproduzir, com os barramentos no meio do caminho de seu processo migratório e de reprodução.

Do morador da periferia de Porto Velho e região, foi tirado o direito de comprar peixes oriundos do rio Madeira a preço acessível e compatível com seu o ganho, sendo obrigado a consumir peixes produzidos em cativeiro, cheios de hormônio e a preços elevados. 

Dos agricultores familiares e agroextrativista foi lhes tirado o direito de trabalhar a terra e produzir alimentos para os seus e gerar renda, à exemplo do Assentamento Joana Dark inviabilizado após a formação do lago da UHE Santo Antonio com a elevação do lençol freático. Como dizer que não há formação de lago nas duas represas?

Dos moradores dos núcleos urbanos nas barrancas do Madeira, lhes foram tirados o direito de ir e vir e de permanecer no espaço escolhido para a sua moradia, sendo obrigados a aceitar a saída forçada “para não perder tudo”. Com o advento das represas pôde ser sentido no dia-a-dia o aumento da violência urbana, a exploração sexual de crianças, adolescente e jovens, principalmente em Jaci-Paraná; a explosão demográfica nos bairros; a superlotação das unidades de saúde (já que o novo hospital prometido não saiu do papel); os altos índices de acidentes de transito e o crescimento desordenado da periferia de Porto Velho.

Das religiões de matriz africana foi-lhes tirada a Cachoeira de Santo Antônio e Teotônio, violando o direito de uso coletivo das águas das cachoeiras, espaços sagrados para inúmeras pessoas, comunidades religiosas e povos indígenas. 

As inúmeras pesquisas e os trabalhos realizados sobre a implantação das Hidrelétricas no Rio Madeira, associados ao depoimento das testemunhas acima referidas, tornam explícito que as mudanças ocorridas na vida da população desta vasta região, que antes vivia às margens de um rio livre e agora assiste a um manancial de águas aprisionado, tornaram mais difícil e penosa a realidade cotidiana dos grupos sociais mais vulneráveis.

Apenas a título de ilustração, pode-se apontar 1) a grande inundação de 2014, a qual, em território boliviano, país irmão, da bacia do rio Madeira, provocou morte de 60 pessoas e de milhares de cabeças de gado; 2) a grande seca de 2016 que, representa as mudanças climáticas em curso, ocasionadas pela interferência econômica no curso dos rios, e, principalmente, a produção de gases de efeito estufa como consequência de seu represamento, conforme estudos do professor Philip Fearnside do INPA.

Os povos indígenas foram brutalmente afetados. Primeiro pela ausência da consulta prévia, livre, bem informada e de boa fé conforme preconiza a Convenção 169 da OIT da qual o Brasil é signatário. Com isso, de modo particular os povos indígenas em condição de isolamento e risco na margem direita do rio Madeira tiveram seu território de perambulação violentado com a formação de lago e desflorestamento, comprometendo sua segurança física e cultural, obrigando-os a buscar novas áreas com a presença de garimpeiros e até agroextrativistas. Já os povos das terras indígenas Karitiana, Karipuna, Kaxarari, Ribeirão, Cassupá e Laje sequer conseguiram sair do plano de ação emergencial das compensações, ficando boa parte dos recursos perdidos na burocracia governamental e sem investimentos nestes povos que, enfrentam toda sorte de problemas decorrentes do processo de migração desordenada, invasão de territórios por madeireiros, grileiros de terra e garimpeiros, doenças, empregos temporários e desagregação familiar.

À luz de tudo o que foi relatado, é imperioso concluir que estas hidrelétricas e suas barragens não são produtoras de “energia limpa”, por tudo de negativo produzido na vida destas famílias, razão pela qual, analisadas as provas apresentadas pelas organizações e movimentos sociais de povos e comunidades do campo, cidade, das florestas e das águas da Bacia do Rio Madeira, este TRIBUNAL POPULAR DECLARA QUE AS EMPRESAS MULTINACIONAIS, OS AGENTES FINANCEIROS E OS GOVERNOS DAS TRÊS ESFERAS DA FEDERAÇÃO, QUE PARTICIPARAM DO PROCESSO DE LICENCIAMENTO E CONSTRUÇÃO DAS HIDRELÉTRICAS DE SANTO ANTONIO E JIRAU, NO RIO MADEIRA, SÃO CULPADOS E CULPADAS POR SEMEAR A DESTRUIÇÃO E A MORTE DE VIDAS, DE SONHOS E DA ECOLOGIA VITAL PARA O PLANETA TERRA.

ESTE TRIBUNAL SE DECLARA A FAVOR DE PROJETOS QUE GEREM VIDA A TODOS OS POVOS E CULTURAS.

ESTE TRIBUNAL DIZ NÃO A QUALQUER PROJETO HIDROELÉTRICO NOS RIOS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA E DA PANAMAZONIA, POR ENTENDER QUE REPRESENTA CONCENTRAÇÃO DE RIQUEZA, DE PODER POLÍTICO E FINANCEIRO.

ESTE TRIBUNAL DIZ NÃO AO AUMENTO DA COTA DOS RESERVATÓRIOS DE SANTO ANTONIO E JIRAU, PORQUE A INUNDAÇÃO DE 2014 JÁ DEIXOU CLARO QUE OS IMPACTOS SÃO MONSTRUOSOS E MAIOR AINDA A OMISSÃO DOS CONSÓRCIOS.

ESTE TRIBUNAL AFIRMA QUE A UHE JIRAU É BINACIONAL, MESMO SEM A ELEVAÇÃO DA COTA, E, PORTANTO, DEVE-SE GARANTIR AO POVO BOLIVIANO ATINGIDO O MESMO DIREITO ASSEGURADO AOS BRASILEIROS.

ESTE TRIBUNAL DECLARA APOIO AOS REPRESENTANTES DOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS ESTADUAL E FEDERAL EM RONDÔNIA, QUE, NO CUMPRIMENTO DE SUAS FUNÇÕES PÚBLICAS, NA DEFESA DO DIREITO DIFUSO, RECORREM À VIA JUDICIAL COMO ÚLTIMO RECURSO PARA COMBATER AS VIOLAÇÕES DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E SOCIAL.

ESTE TRIBUNAL DEFENDE O USO DAS ENERGIAS RENOVÁVEIS, DE MODO PARTICULAR A ENERGIA SOLAR, PRESENTE NA VIDA COTIDIANA DE NOSSOS POVOS PANAMAZONICOS, E QUE, PODEM POR MEIO DA GERAÇÃO DESCENTRALIZADA, CONTRIBUIR PARA A SUSTENTABILIDADE DAS ATUAIS E FUTURAS GERAÇÕES.

ESTE TRIBUNAL POPULAR DEFENDE ÁGUAS PARA A VIDA E NÃO PARA A MORTE!