Padre Ton e lideranças indígenas pedem revogação da Portaria 303
“Esse papel que ele escreveu (dirigindo-se ao advogado-geral da União Luiz Adams) preocupou todos os povos indígenas. Estamos preocupados com o que ele escreveu. Acaba com essa Portaria. Quando meu povo viu isso, ficou muito triste. Porque meu povo e nós índios estamos aumentando, crescendo”. Estas foram as palavras iniciais do líder Kaiapó Cacique Raoni durante reunião hoje (14) com o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo em que lideranças indígenas, movimentos sociais e o coordenador da Frente Parlamentar de Apoio dos Povos Indígenas, deputado federal Padre Ton (PT-RO) pediram a revogação da Portaria 303. Para eles, o documento, publicado no Diário Oficial da União no dia 16 de julho, representa enorme retrocesso aos direitos indígenas no Brasil.
A Portaria estende a todas as terras indígenas do país condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, por ocasião do julgamento da ação que tratou da demarcação da área, em 2009. Estas condicionantes, no entanto, ainda podem ser anuladas ou modificadas, já que foram apresentados uma série de embargos junto ao STF, pendentes de julgamento.
A revisão de procedimentos de demarcação de terras indígenas em desacordo com as condicionantes e o fim da autonomia dos indos sobre os territórios que ocupam, uma vez que são dispensados de consulta sobre qualquer grande empreendimento nessas áreas, preocupam o deputado Padre Ton. “Com essa Portaria os grandes empreendedores, setores do agronegócio podem comemorar. Não precisam aprovar a PEC 215”, disse o deputado, lembrando emenda constitucional aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e que tira do Executivo a prerrogativa de demarcar terras indígenas. O líder Lísio Lili, do povo Terena, de Mato Grosso, foi duro: “Que o senhor, ministro, não chamasse nós índios para discutir a portaria. Mas tinha de chamar a Funai. Mas o governo vem trabalhando nos últimos anos para destruir a Funai, para que a gente não tenha referência institucional nenhuma. Para quem sabe, nós, índios, zanzássemos por aí, sem um lugar para reclamar nossos direitos. Esse pedido (para destruir a Funai) não é nosso, é dos latifundiários lá do meu estado. Eles trabalham dia e noite, incansavelmente, para acabar com a Funai”.
Presente à reunião, a presidente da Funai, Marta Azevedo, confirmou não ter tido conhecimento da elaboração da portaria. Ela reiterou o compromisso com a política indígena do país, mas ficou claro no encontro que falta maior respaldo ao órgão por parte do Ministério da Justiça.
“Achamos que a presidente da Funai é nosso representante. Quando alguém, fazendeiro, plantador de soja, chegar e disser para vocês vamos fazer isso, vocês não ligam só para eles não. Não escreve para eles. Temos que resolver as coisas juntos. Tem de acabar com esse papel”, disse o Cacique Raoni, pedindo para o ministro dar mais dinheiro para o órgão indigenista. “Está faltando muita coisa em nossas terras”.
O advogado-geral da União Luiz Adams tentou justificar a Portaria dizendo que artigos da Constituição atinentes aos povos indígenas precisam de regulamentação, e por isso seria necessário “produzir um normativo que seja possível estabelecer um marco de segurança e de ação, seja da parte dos índios, seja da parte da Funai”. Adams disse que a portaria poderia ter alguns pontos “clarificados”, e assumiu ser autor exclusivo do documento, eximindo de participação o ministro da Justiça ou outra autoridade do governo federal.
Além do Cacique Raoni e de Lísio Lili usaram a palavra a líder Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Ceiça Pitaguary, representando o povo do Nordeste; Edson Bakairi, de Mato Grosso e Marcos Tupã, também da APIB.
Mara Paraguassu - Assessora de Imprensa
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