sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

REFLEXÕES...




VIDAS FORA DE EQUILÍBRIO... VIDAS NO EXÍLIO... Complexo Madeira...

Este texto não pretende ser jornalístico e muito menos poético... talvez informativo, ou mais ainda, um desabafo, um grito por Justiça. Há vidas fora de equilíbrio, vidas no exílio e o provocador de tudo isso é o complexo Complexo Madeira!

Lembro-me do ano de 2006. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA) colocou os Estudos de Impactos Ambientais (EIA) e o Relatório de Impactos Ambientais (RIMA) em discussão nas tais “Audiências Públicas” (AP), momento este previsto em resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente - um rito necessário de consulta à sociedade em geral, antes do licenciamento ou não do pleito em questão. Num primeiro momento o Ministério Público Federal (MPF) embargou a realização das mesmas (AP), por entender que o procedimento preparatório não tinha considerado o marco legal para tal: disponibilidade dos estudos em locais de fácil acesso à comunidade, divulgação em linguagem acessível à comunidade e o próprio tempo entre a entrega de documentos na Prefeitura e divulgação das datas das tais AP. Mas poucos dias depois, em tempo mais que hábil, a Justiça Federal em Brasília concedeu ao IBAMA o direito de realizar as quatro audiências, tendo o mesmo negado pedido de realização de AP específica para tratar da questão indígena mediante solicitação da sociedade civil dentro do prazo estipulado em edital.

Não restou outra coisa a sociedade civil, organizada ou não, correr atrás do prejuízo e tentar fazer a diferença durante as referidas AP em Jaci-Paraná, Mutum-Paraná, Abunã e Porto Velho. Com apoio de algumas entidades e instituições de defesa dos direitos sócio-ambientais organizou um grupo e para lá foram. Um verdadeiro massacre - lembro-me da história bíblica do Davi contra o Golias. De um lado uns gatos pingados do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e das entidades: Instituto Madeira Vivo (IMV), Associação Etno-Ambiental (KANINDÉ), Associação Agro-Ecológica (ADA-AÇAÍ), Associação Rio Doce (RIOTERRA)... Do outro lado, representantes das empresas FURNAS e ODEBRECHET e em apoio destas: Casa Civil da Presidência da República, Governo de Rondônia, Assembléia Legislativa de Rondônia, Prefeito e Secretários do município de Porto Velho, Federação das Indústrias de Rondônia (FIERO), Câmara Municipal de Porto Velho, Conselho Regional dos Engenheiros (CREA), Sindicatos dos Engenheiros (SENGE), algumas entidades sociais e até a própria Diretoria de Licenciamento do IBAMA. Para apoiá-los vários ônibus foram colocados à disposição pela prefeitura e muitos comissionados foram convocados a ir fazer número em apoio às hidrelétricas. Um jogo de força desigual, que em Abunã por pouco não houve confronto corporal quando o MAB decidiu abandonar a AP pela mesma não dar direito à voz ao Movimento.

Fiz este breve histórico para situar quem não viveu diretamente este processo. Mas, o que me fez recuperar esta memória é o fato que: a Vida das populações da bacia hidrográfica do rio Madeira (indígenas, ribeirinhos, seringueiros, pescadores, garimpeiros, agricultores familiares, moradores de núcleos urbanos...) está fora de equilíbrio desde 2006... E a partir de março de 2007 todos estes segmentos passam a ter a certeza de que daquele momento em diante se tornariam exilados em suas terras e territórios tradicionais... Viram seus sonhos ir, literalmente, por água-a-baixo, já que as hidrelétricas receberam licenças para começar as obras, inicialmente em Santo Antônio com muitas contestações judiciais e discordância técnica no próprio IBAMA...

Em Jaci-Paraná, ainda na Audiência Pública, os empresários e políicos lhes prometeram que “seus filhos e netos teriam trabalhos, que todos seus problemas seriam resolvidos... que todos teriam empregos e suas vidas melhorariam”. Mas o que se percebeu foi uma nova frente de conflitos sendo gerada: grileiros de terras públicas passaram a entrar em cena e a pressionar pequenos agricultores a deixar suas terras já cadastradas junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA): grileiros ávidos pela possível indenização demandadas pelas construtoras das obras, com envolvimento de figurões da política e empresarial de Porto Velho, cujos nomes não mencionaremos por questão de segurança. Entretanto, os pequenos agricultores envolvidos nesta teia de relações de poder em questão não têm segurança alguma, aliás, alguns já foram assassinados no último mês de novembro, casos de conhecimento da justiça...

Outros, porém amigos e familiares se vêem obrigados a viver uma realidade de insegurança, de exílio, já que ameaças à integridade física e moral têm sido constante... Uma destas pessoas é o Sr. Maurete, membro da Organização Coletiva dos Pescadores Tradicionais de Jaci-Paraná (PIRÁ) e também eleito presidente do Conselho Comunitário do Distrito de Jaci em outubro/09, que por qual pleito enfrenta contestação de um vereador da capital que não se fez presente no dia da votação.

O líder Maurete junto com outros companheiros, assumiu a atitude de defesa dos interesses dos pescadores, dos agricultores e dos moradores do núcleo urbano, denunciando desvios de investimentos em obras sociais com recursos das compensações para aquele Distrito; acompanha os envolvidos no conflito fundiário desde 2006 (cujo julgamento está previsto para ocorrer dia 04/12 na justiça estadual); cobra das empresas que incharam Jaci de trabalhadores, os investimentos em saúde e educação (nem preservativos distribuem para seus trabalhadores); luta por transparência nos gastos públicos em reformas de escolas e posto de saúde, investimento e melhoramento das condições de trabalho da segurança pública no Distrito, junto com os demais atingidos, denuncia que os ribeirinhos atingidos pela área do reservatório estão passando por insegurança alimentar, porque foram proibidos de fazer roçado, de plantar para sobreviver, associado à escassez do peixe com início das obras e pesca predatória...

A conseqüência de desafiar a força econômica e política na Amazônia é a perseguição, é o exílio, é o assassinato. Assim como os ribeirinhos que forçadamente tem que deixar suas terras, ir para o exílio, para terra estranha, Sr. Maurete teve que buscar novas paragens, deixando para traz o sonho de melhoria de qualidade de vida para Jaci-Paraná, Mutum, Trata-Sério, Teotônio, Santo Antônio, São Domingos, Nova Esperanza... e tantas outras localidades atingidas por estes empreendimentos.

Nós do Instituto Madeira Vivo, temos compromisso com os povos da bacia do Madeira, do qual fazemos parte e vamos continuar esta bandeira abandonada à força por este líder comunitário e onde quer que ele esteja tenha a certeza de que sua luta, seu sonho não foi em vão... Temos a certeza de que a Justiça será feita e você retornará para junto dos seus companheiros da PIRÁ... Exílio nunca mais!!

Autor: Iremar Antonio Ferreira
Instituto Madeira Vivo - IMV

Nenhum comentário: