POVO
KARITIANA E OS EFEITOS NEGATIVOS DAS BARRAGENS DO RIO MADEIRA
“EIS
NOSSA VOZ AOS ATINGIDOS DO BRASIL E DO MUNDO”!
Nós
Povo indígena Karitiana habitamos na Terra Indígena Karitiana, distante cerca
de 90km de Porto Velho, nas seguintes aldeia: Kyowã, Bom Samaritano, Byjyty
osop aky e Juarí. Vimos por ocasião das reflexões realizadas em nossa grande
assembleia, expor no Encontro Nacional dos Atingidos por Barragens 2013, nossas
angustias, preocupações e violências ainda vivenciadas diariamente por nossas
comunidades e territórios tradicionais. Podemos afirmar para todo o mundo que o
Povo Karitiana está vivendo uma grande noite com a construção das hidrelétricas
do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.
Parece
se repetir a grande noite que caiu sobre os povos indígenas de Rondônia com a
construção da BR 364, à partir de 1964, quando fomos dizimados de uma população
de mais de 50 mil indígenas em RO, para pouco mais de 2 mil nas décadas de 70 e
80 e somente agora conseguirmos reviver com muita luta e conquistas chegar a 11
mil.
Quando
Furnas e Odebrechet começaram a fazer os estudos, tentaram de todo jeito
conseguir nosso apoio e a nos enganar, inclusive tivemos atritos entre membros
do Povo Karitiana, pois tinha os que eram contra e os que se tornaram à favor,
mediante promessas de melhorias da vida de nosso povo, oferta de emprego, tudo
com a conivência da Funai. Foram muitas reuniões na comunidade para
convencer-nos a não se posicionar contrários. Tínhamos todos os motivos para
isso, já que nossa terra está no que eles chamam de influência indireta, mas
discordamos porque o principal igarapé Sapoti que corta nossa terra sofre
influências das cheias do rio Madeira e formando o lago permanente o mesmo
ficará sempre cheio, o que vai intensificar aumento nos casos de malária, que
normalmente ocorrem nos períodos de cheia, ou seja, igarapé sempre cheio,
malária o ano inteiro.
Além
desta situação, reivindicamos e nos foi prometido nas compensações de que nossa
terra tradicional, que ficou de fora da demarcação inicial, com mais de trinta
aldeias antigas, teria prioridade na demarcação, mas isso não ocorreu até agora
e ao mesmo tempo, dezenas de planos de manejos foram aprovados para extração de
madeira incidindo sob estes territórios que reivindicamos, limpando a floresta,
antes de garantirem nosso direito à terra tradicional, amparado na Constituição
Federal. Por outro lado devido esta pressão, foi aprovado pela comunidade a
construção de um Posto de Vigilância com recursos das compensações. O projeto
de construção da casa que abrigará este posto de vigilância, inicialmente
apresentada à comunidade, foi orçado em 360 mil reais, mas tomamos conhecimento
que o projeto foi reajustado e gasto mais 400 mil, com anuência da Funai e sem
passar pela decisão da comunidade. Esse fato já levamos à conhecimento do
Ministério Público Federal, porque não é compatível a obra com as despesas.
Este recurso gasto era para investir em benefícios de nosso povo e
lamentavelmente tomam decisões como que se fossemos meros expectadores enquanto
empresas lucram em cima de nosso Povo.
Outro
fator que nos deixa consternados é que desde 1995 estamos lutando para anexar
uma parte de nossa terra que ficou fora da demarcação atual, embora nossos mais
velhos já reivindicassem que a terra chegasse até o rio Candeias onde tem
cemitério, roçados e malocas antigas desde a primeira demarcação. Já foi
constituído mais de 2 grupos de estudos para corrigir este erro proposital da
Funai, mas os trabalhos não avançam e muita grana das compensações foram
aplicadas neste trabalho. A ofensiva contra a demarcação desta nossa terra,
onde fica a aldeia Byjyty osop aky em 2011 sofreu ataques de políticos, como do
atual presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio deputado Moreira Mendes e
de um ex-governador e atual senador Valdir Raupp, conjuntamente com mais
parlamentares e a prefeitura do município de Candeias do Jamari (ambos de RO),
que entraram com Mandato de Segurança (TRF 1ª. região Processo Nº
53580-76.2011.4.01.3400), contrários à realização dos estudos pelo grupo
instituído pela FUNAI. Isso representa uma afronta aos nossos direitos
garantidos na Constituição.
Convém
destacar que o Programa Luz para Todos em 2009 atendeu uma parte de nossas
aldeias, inclusive como medida paliativa às nossas necessidades. Nosso povo
pagou mais de 50 mil reais na abertura da estrada para dar acesso aos veículos
do Luz para Todos, do contrário estaríamos até agora sem energia elétrica. Mas o
que era para ser solução de melhoria da qualidade de vida, hoje coloca na
inadimplência a maioria das famílias que não possuem renda para pagar as
contas, já que não temos incentivos produtivos por parte da Funai ou outros
órgãos afins. Os únicos que conseguem pagar são professores, agentes de saúde e
idosos que recebem a aposentadoria e deixam de comprar gêneros necessários para
pagar a conta de energia que em média custa 80,00 reais por mês cada família.
Entendemos que não devemos pagar nada pela energia elétrica precária que chega
até nossas aldeias. Primeiro que temos sido violentados por este modelo de
Estado que por mais de cinco séculos nos oprimiu, matou, humilhou e que nos
trata nos dias atuais como empecilhos ao tal desenvolvimento. Segundo porque
temos prestado um serviço ambiental para RO, para o Brasil e para o Mundo,
respeitando a nossa Mãe natureza, diferente dos projetos dos governos e das
empresas que barram rios, desmatam a floresta, põem fogo em tudo para converter
em pastagens ou plantios de soja entre outros, que por meio do agrotóxico
produzem e matam a terra.
Na
Saúde, mesmo com a implantação da Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI,
constatamos mais uma vez que a falta de um atendimento diferenciado tem
provocado o agravamento de saúde e em alguns casos a morte de indígenas. No
último final de semana perdemos duas pessoas de nosso povo, vítimas do câncer e
sabemos que vem da alimentação externa, dos enlatados que nos empurraram ao
invés de apoiar nossa produção de alimentos nas aldeias. Continua a demora do
atendimento nos hospitais e os pacientes que necessitam de tratamento
especializado, dentro e fora do Estado não é priorizado seu encaminhamento. A
estrutura da Casa de Saúde Indígena atende em nível regional, sem dar o
atendimento devido e especifico para os povos Karitiana, Karipuna, Cassupá e Salamãi.
Falta equipe médica, infra-estrutura de refrigeração, medicamentos,
equipamentos e formação especifica dos profissionais envolvidos. Também faltam
medicamentos básicos nos postos de saúde das aldeias. Por isso exigimos que
haja um pólo base, especifico e diferenciado para os povos da região em Porto
Velho, fazendo a pactuação entre o Ministério da Saúde e Santo Antonio Energia,
colaboradora no agravamento de nossos problemas de saúde, principalmente o
cardíaco e desnutrição.
No
tocante a Educação, a morosidade do Estado de Rondônia em cumprir as normas de
oferta do ensino fundamental e médio em nossas aldeias é alarmante. O
transporte da educação escolar indígena só atende os professores não indígenas,
que atuam nas aldeias e exigimos que os mesmos direitos sejam estendidos aos
professores indígenas. Nossos alunos do 6º ano e ensino médio da aldeia Bom
Samaritano estão sem transporte escolar até a aldeia Central, dificuldade a
vida dos pais que necessitam se deslocar vários quilômetros para deixar e buscar
seus filhos, gerando despesas e diminuindo tempo de ir pro roçado. Até o direito
à alimentação escolar tem sido negada, porque não há regularidade no transporte
dos produtos na escola Kyowã, aldeia Central. Mesmo nossas escolas terem
constituído, não vemos a implantação do Conselho Escolar com a participação dos
representantes do nosso povo de fato e de direito.
Diante
desse cenário afirmamos que as hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio atingem o
povo Karitiana. Repudiamos que toda pactuação para reparação ou compensação de
danos causados por essas obras estão sendo feitas diretamente com a Funai, sem a
participação dos povos indígenas afetados. Nessa região das usinas há presença
de indígenas isolados, reconhecidos pela Funai, que podem estar sendo exterminados.
Responsabilizamos a Funai, a União, o governo estadual, municipal e as empresas
responsáveis por esses empreendimentos por eventual genocídio desses povos
isolados. Reivindicamos a imediata interdição e demarcação das terras dos povos
indígenas livres, que transitam no Território Karitiana e seu entorno.
Exigimos
a Conclusão imediata do GT de revisão dos limites da Terra Indígena Karitiana,
bem como que o Governo do Estado de Rondônia cumpra com os acordos que assumiu
com o povo Karitiana no ano de 2012. Reivindicamos a liberação dos recursos
para o inicio dos trabalhos de reaviventação da Terra Indígena Karitiana
demarcada, previstos nas compensações sociais da Santo Antonio Energia.
Exigimos que o Governo brasileiro institua um grupo de trabalho com nossa
presença, para fiscalizar as obras e recursos já gastos em compensações nas
terras indígenas e que sejam punidos os responsáveis por desvios diante das
evidências existentes. Exigimos a suspensão imediata pela Secretaria Estadual
de Desenvolvimento Ambiental – SEDAM de todos os planos de manejos que incidem
sobre a terra reivindicada pelo nosso Povo, pois estamos refém dos governos e
de depredadores dentro de nosso próprio território tradicional, violentado por
este modelo que mata a vida.
Diante
de tudo isso, renovamos nossa indignação e nossos protestos e exigimos respeito
aos nossos direitos tão duramente conquistados na Constituição Federal de 1988
e na Convenção 169 da OIT, e hoje ameaçados por aqueles que só sabem explorar
as riquezas e os povos do nosso país. Exigimos que o Governo brasileiro
suspenda todas as obras e projetos de hidrelétricas e hidrovias que afetem
povos indígenas, populações tradicionais e pequenos agricultores, até que seja
regulamentado o princípio da consulta prévia e informada, respeitando as
decisões destes. Nenhuma barragem deve barrar nosso modelo de vida que nos
permitiu resistir por mais de 500 anos. Esse modelo que ai está só tem gerado
morte para nós e por isso somos contra.
Deixem
nossos rios e nossos povos livres de barragens e da opressão de decisões
governamentais à serviço das empresas que financiam suas campanhas eleitorais.
Juntos
aos nossos parentes dos rios do Brasil (Madeira, Juruena, Machado, Teles Pires,
Tapajós, Xingú, Paraná, São Francisco...) e do Mundo (Madre Diós,
Patzepango...), vítimas de Barragens, erguemos e fazemos Ecoar a nossa Voz para
defender Águas para Vida e não para a Morte!
Povo
Karitiana, Aldeia Central, 30 de agosto de 2013.
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