terça-feira, 29 de maio de 2012

MOVIMENTO SOCIAL DIZ NÃO À REDUÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA AMAZÔNIA

Carta Aberta sobre IRREGULARIDADES da Medida Provisória nº 558/12 e do Projeto de LEI DE conversão Nº 12/12, que reduzem Unidades de Conservação na Amazônia para a construção de grandes hidrelétricas

Excelentíssimo(a)s Senadores e Senadoras da República

Excelentíssimos Juízes do Supremo Tribunal Federal – STF

com cópia:

Exma. Sra. Dilma Rousseff, Presidente da República

Exmo. Sr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador Geral da República

Exmo. Sr. Luis inácio Lucena Adams, Advogado Geral da União

Exma. Sra. Isabella Teixeira, Ministra do Meio Ambiente

Exmo. Sr. Roberto Vizentin, Presidente do ICMBio

Exmo. Sr. Edson Lobão, Ministro de Minas e Energia

Os representantes da sociedade civil abaixo assinados, comprometidos com a defesa dos direitos humanos, o fortalecimento da democracia e o desenvolvimento com responsabilidade socioambiental, vêm manifestar o seu repúdio à Medida Provisória (MPV) nº 558 – editada pela Presidente Dilma em 06 de janeiro de 2012, convertida pela Câmara em Projeto de Lei de Conversão 12/12 e prestes a ser aprovado pelo Senado Federal. A MPV nº 558 exclui ilegalmente, sem estudos técnicos e qualquer consulta às populações afetadas e à sociedade brasileira em geral, vastas áreas de Unidades de Conservação (UCs) na Amazônia para abrigar os canteiros e reservatórios de grandes hidrelétricas que, planejadas de forma autoritária, ameaçam ecossistemas de biodiversidade única, as metas brasileiras de redução de emissões de gases de efeito estufa e, principalmente, os direitos humanos e a qualidade de vida de milhares de brasileiros que vivem na região.[1]

As conseqüências nefastas da Medida Provisória são especialmente graves na bacia do rio Tapajós, onde foram desafetados 75.630 hectares de cinco unidades federais de conservação, inclusive 18.700 hectares do Parque Nacional da Amazônia, para abrir caminho aos reservatórios de duas mega-barragens: São Luiz do Tapajós e Jatobá.[2] Tratam-se de UCs de proteção integral e uso sustentável, com ecossistemas aquáticos e florestais únicos classificados pelo Ministério do Meio Ambiente como áreas de prioridade extremamente alta para a conservação da biodiversidade, ainda pouco conhecidos pela Ciência. A proteção e uso sustentável dessas áreas são fundamentais para a economia regional, a reprodução cultural, a sobrevivência e, portanto, o bem-estar das populações locais, que desenvolvem, dentre outras, atividades produtivas como a pesca, a agricultura familiar, o extrativismo, o manejo florestal e o turismo ecológico.

Até o momento, não foram concluídos estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) e de viabilidade econômica (EVTE) das hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá. Tampouco houve qualquer debate público sobre os empreendimentos e a proposta de redução das cinco Unidades de Conservação.[3] Logo, sem saber se os empreendimentos possuem viabilidade ambiental e econômica, como o Poder Público pode desafetar antecipadamente unidades de conservação para abrigar os reservatórios das hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá? Em termos jurídicos e de senso comum, é colocar a carroça na frente dos bois!

As mega-usinas de São Luiz e Jatobá integram um conjunto de sete grandes hidrelétricas previstas para construção nos rios Tapajós e Jamanxim (afluente do Tapajós) no Estado do Pará, conforme estudo de inventário elaborado pela Eletronorte com a empreiteira Camargo Correa e a CNEC[4], aprovado de forma unilateral e sem discussão pública pela ANEEL. Esse conjunto de barragens inclui a UHE Chacorão no rio Tapajós, que alagaria mais de 18.700 hectares do território indígena do povo Mundurucu, inclusive várias aldeias indígenas, além de mais de 1.000 hectares do Parque Nacional de Juruena. As outras quatro grandes barragens previstas no Rio Jamanxim (Cachoeira do Caí, Jamanxim, Cachoeira dos Patos e Jardim de Ouro) inundariam um total de 103.701 hectares, dos quais 59.700 ha do Parque Nacional do Jamanxim e de quatro Florestas Nacionais (Itaituba 1 e 2, Jamanxim e Altamira).

Outro fato extremamente alarmante da MPV nº. 558 é a exclusão de 2.188 hectares do Parque Nacional Campos Amazônicos, na fronteira entre os estados de Rondônia e Amazonas, para abrir caminho ao reservatório da mega-barragem de Tabajara no Rio Machado, afluente do Rio Madeira. Trata-se de um empreendimento que sequer consta do Plano Decenal de Energia (PDE) 2020 e não possui estudos de viabilidade econômica e impacto ambiental. Os riscos socioambientais da usina de Tabajara incluem consequências desastrosas para grupos indígenas isolados em situação de alta vulnerabilidade, uma questão simplesmente ignorada nas discussões sobre o empreendimento e a MPV nº. 558 até o momento.

Também chamamos atenção para o fato de que não houve qualquer estudo técnico ou debate público sobre as consequências da desafetação de 77.818 hectares das seis UCs afetadas pelas usinas de São Luiz do Tapajós, Jatobá e Tabajara, quanto aos atributos sociais, econômicos e ambientais que justificaram a sua criação[5]. Isso contraria frontalmente o artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece que “a alteração e a supressão de áreas protegidas são permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. A construção da usina de São Luiz do Tapajós, por exemplo, eliminaria um dos principais atributos do Parque Nacional da Amazônia, de grande importância para o turismo: as cachoeiras de São Luiz no Rio Tapajós.

Todo esse quadro de ilegalidades levou a Procuradoria Geral da República a propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4717) com pedido de liminar, contra a MPV nº 558.[6] A ação aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal, já com parecer da relatora Carmem Lúcia a favor de um julgamento em regime de urgência, tendo em vista os impactos nefastos que a Medida Provisória pode causar, desde a sua edição.

A Comissão Mista designada pela Presidência da Mesa do Congresso Nacional para examinar os pressupostos constitucionais da MP 558 nunca se reuniu e não houve qualquer audiência pública sobre a matéria no âmbito da Câmara dos Deputados. O relator da MPV, deputado Zé Geraldo(PT-PA) não trouxe nenhuma análise crítica às irregularidades da MPV, inclusive aquelas apontadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no Supremo. O relatório cometeu outra irregularidade ao propor a retirada de 17.751 ha da Floresta Nacional do Tapajós sob o argumento de urgência para regularizar a situação de áreas ocupadas na FLONA. Alem disso, incorporou emendas de “contrabando”, como a perdão de dividas de produtores rurais vinculados ao “Projeto Agro-industrial Canavieiro Abraham Lincoln” (PACAL) no Estado do Pará. Somado a tudo isso, a votação do relatório em sessão plenária da Câmara dos Deputados, no dia 15/05, foi concluída sem discussão efetiva, em um intervalo de tempo não superior a 15 minutos.

Com não foram observados processos e prazos legais para a tramitação de Medidas Provisórias,[7] restou um prazo extremamente apertado (até 31/05) para a apreciação e aprovação final do projeto de lei de conversão (PLC no. 12/12) e sua promulgação pela Presidente Dilma. Nesse sentido, o relatório da Senadora Vanessa Grazziotin inicia–se registrando “o fato da limitação do Senado Federal na análise das MPs, visto que o prazo de 120 dias para análise das mesmas é quase que exclusivamente esgotado pela Câmara dos Deputados, o que inviabiliza mudanças no texto recebido, muitas vezes essenciais para o aprimoramento da matéria. Por essa razão, e somente por essa, para que a PLV ora em análise não perca seus efeitos, que esgotarão no próximo dia 31 de maio, em que me abstenho de sugerir modificações na mesma”.

Consequentemente, os senadores não dispõem do tempo necessário para um debate efetivo, inclusive com a participação de representantes de populações ameaçadas e outros representantes da sociedade civil, sobre as graves irregularidades da MPV nº. 558 e suas implicações para o patrimônio socioambiental brasileiro e a vida de gerações presentes e futuras.

Em suma, a Exposição de Motivos da MPV 558[8], assim como os relatórios do Deputado Zé Geraldo e da Senadora Vanessa Grazziotin, não abordam sérios equívocos da Medida Provisória, apontados nesta carta e na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador Geral da República no STF. Ao invés disso, enfocam em questões menores, como a regularização de posseiros de longa data nos limites do PARNA da Amazônia, numa área reduzida nas proximidades da cidade de Itaituba. Esta demanda social é legítima; no entanto, não há necessidade de Medida Provisória para a sua resolução. O que é mais grave é a utilização dessa questão específica como justificativa para a Medida Provisória, com a tendência de desviar atenção das graves irregularidades da MP 558, relativas à desafetação de vastas áreas de unidades de conservação na Amazônia para a construção de grandes hidrelétricas, sem estudos obrigatórios e sem qualquer discussão com a sociedade brasileira.

Considerando as irregularidades de conteúdo e processo de tramitação da MP 558, incompatíveis desde a sua origem com as expectativas e propósitos de um Estado Democrático de Direito e de um país que leva a sério o desenvolvimento com responsabilidade socioambiental, conclamamos os Senadores da República a rejeitar o Projeto de Lei de Conversão no. 12/12, previsto para votação em plenária nesta terça-feira, 29/05. Além disso, pleiteamos ao Supremo Tribunal Federal a apreciação, em regime de urgência, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4717) ajuizada pela Procuradoria Geral da República.

Finalizando, chamamos a atenção das autoridades e da sociedade em geral para o fato de que, caso o projeto de lei de conversão da MPV nº. 558 seja aprovado no Senado, será criado um péssimo precedente para investidas futuras contra áreas protegidas na Amazônia e em outros biomas brasileiros, assim como um desgaste desnecessário para a imagem do país, justamente às vésperas da realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20.

Brasília, 28 de maio de 2012

Assinam esta carta:

MovimentoTapajós Vivo
Marina Silva
Associação Alternativa Terra Azul
Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes – APACC
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida, Apremavi – RS
Associação Nova Aliança – Itaituba – PA
Associação 4 Cantos do Mundo
Associação São Francisco de Assis – PA
Bianca Jagger Human Rights Foundation (UK)
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Comissão Justiça e Paz, Diocese de Santarém
Comissão Pró-Índio de São Paulo
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais – FBOMS
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum dos Movimentos Sociais da BR 163
Fundação Vitória Amazônica
Greenpeace – Brasil
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
Instituto de Educação Popular de Rondônia – IEPRO
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – IMAZON
Instituto Humanitas – Pará
Instituto Madeira Vivo – IMV
InstitutoSocioambiental – ISA
Movimento de Mulheres do Campo e Cidade de BR 163 e Transamazonica
Movimento Xingu Vivo para Sempre – MXVPS
Núcleo de Apoio à População Ribeirinha da Amazônia – NAPRA
OrganizaçãoColetiva dos Pescadores Tradicionais de Jaci-Paraná – PIRÁ
RioInternacionais – Brasil
Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia – Sodireitos
SociedadeParaense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Terra de Direitos

Contatos para correspondência:

Jesielita Gouveia, Coordenadora, Movimento Tapajós Vivo Edilberto Sena, Coordenador da Comissão Justiça e Paz, Diocese de Santarém

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