O IMPACTO DAS GRANDES OBRAS E A VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES - DESAFIOS PARA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL.
CARTA DE PORTO VELHO
CARTA DE PORTO VELHO
Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes
Objetivo Estratégico 2.1- Priorizar a proteção integral de crianças e adolescentes nas políticas de desenvolvimento econômico sustentável, inclusive com clausulas de proteção nos contratos comerciais nacionais e internacionais.
A luta contra a violência sexual que atinge crianças e adolescentes atravessa décadas em nosso país. Neste trajeto, sociedade civil, instituições públicas e privadas, comunidades, crianças e adolescentes tem acumulado muitos aprendizados e experiências. O entendimento sobre a violência, as estratégias de enfrentamento, as alianças necessárias, as políticas de enfrentamento tem se alterado a partir da luta cotidiana. Apesar dos avanços, esta expressão específica da violência continua a nos desafiar e indignar.
O Brasil foi o primeiro país a promulgar um marco legal (ECA em 1990) em sintonia com o paradigma dos direitos humanos reconhecidos na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989) - o Estatuto da Criança e do Adolescente, que acaba de completar 21 anos. Desde 2000, o País, em consonância com diretrizes internacionais, adotou um Plano Nacional com diretrizes para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, que hoje é um documento referencial para a estruturação de políticas de enfrentamento em todo o País.
O Brasil sediou o III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração sexual de Crianças e Adolescentes, em 2008, no Rio de Janeiro, o maior evento já realizado no mundo sobre o tema, com a participação de 170 países e mais de 3.500 participantes, incluindo aproximadamente 300 adolescentes dos 5 continentes. A Declaração do Rio reuniu as principais recomendações e compromissos, visando o enfrentamento de novos desafios, a exemplo da pornografia infanto-juvenil na Internet e do tráfico de pessoas no contexto da globalização.
O Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes foi constituído por ocasião da aprovação do Plano Nacional, como instância plural, interinstitucional, formada por organizações da sociedade civil e do Estado articuladas para estimular a implementação das ações previstas no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.
Desde sua instituição, o Comitê Nacional tem cumprido o papel de animar, monitorar e coordenar ações de mobilização e reivindicação para a implementação do referido Plano e pelo enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes.
Entendemos que há um processo de reprimarização da economia brasileira. Os indicadores econômicos revelam que os setores de mineração, agropecuária e produção de energia tem alavancado o atual padrão de crescimento econômico nacional. Estes setores tem, por sua natureza, forte impacto sócio-ambiental por meio de uso intensivo de recursos naturais e construção de grandes obras de infra-estrutura (hidroelétricas, usinas de mineração, termelétricas, siderúrgicas, complexos portuários...), determinando o deslocamento de comunidades tradicionais, desestruturação de modos de produção locais, alteração radical dos biomas que garantem a sobrevivência populacional, sobrecarga nas já precárias estruturas de serviços básicos locais e novas dinâmicas de concentração de riqueza. A população local e migrante passam a viver novas situações de risco, recaindo sobre estas os maiores danos das intervenções.
Compreendemos que esta tendência é impulsionada pela substantiva e crescente participação de commodities nas exportações brasileiras. Pela natureza deste segmento econômico, os atores são necessariamente grandes corporações do setor privado, estimulados por vultosos recursos públicos via agentes públicos de financiamento.
Desta forma, as preocupações do Comitê focam a inequívoca articulação entre modelo de desenvolvimento e seus impactos na violência sexual contra crianças e adolescentes. Os impactos já anotados demonstram aumento dos casos de violência sexual, crescimento do trabalho infantil, aumento de casos de gravidez na adolescência, crianças sem paternidade reconhecida, impacto na saúde mental (elevação dos casos de depressão, drogadição..), doenças derivadas da poluição ambiental (doenças de veiculação hídrica e atmosférica), maior incidência de DST/AIDS, favelização nos tecidos urbanos mais próximos às intervenções e sobrecarga na rede de serviços públicos.
A realização dos direitos de crianças e adolescentes é uma prioridade constitucionalmente garantida. Assim, superar os impactos deste modelo de desenvolvimento sobre a população infanto-juvenil, bem como suas causas, devem ser objeto de nossos melhores esforços. Há um dever ético, jurídico e político no enfrentamento à violência sexual e para garantia dos DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOSde todas as crianças e todos os adolescentes.
A violência sexual pode e deve ser prevenida. Esta prevenção (e, portanto o reconhecimento e garantia dos direitos humanos sexuais e reprodutivos de crianças e adolescentes) no contexto das grandes obras de infraestrutura e nos megaeventos deve ser realizado por meio de várias dimensões, envolvendo setores do poder público, do setor empresarial e da sociedade, com capacidade de incidência sobre as políticas de educação, assistência social, saúde, saneamento básico trabalho, segurança pública, mulheres, turismo, esporte e lazer, direitos humanos, comunicação, habitação meio ambiente, transporte, desenvolvimento, planejamento/orçamento, de maneira multidisciplinar, intersetorial, multiprofissional. E reafirmando o princípio constitucional da prioridade absoluta da criança e do adolescente é que se propõe:
1- Inserir no marco legal para licenciamento e financiamento destas obras medidas condicionantes e cláusulas sociais assecuratórias dos direitos das comunidades locais, especialmente de crianças e adolescentes, a serem desenvolvidas no processo de instalação e operação do empreendimento;
2- Assegurar a participação equitativa da sociedade civil no processo de deliberação da agenda de infraestrutura nacional;
3- Inserir nos Termos de Referência para o os Estudos de Impacto que antecedem as obras, indicadores referentes aos direitos de crianças e adolescentes e suas famílias (no curto e longo prazo), visando condicionalidades específicas para o financiamento e licenciamento;
4- Garantir a transparência da destinação de recursos, tanto por parte dos órgãos públicos, quanto do setor empresarial, assegurando a participação popular;
5- Assegurar que nas ações compensatórias sejam garantidos, prioritariamente, direitos das comunidades locais afetadas.
6- Estabelecer, no processo de licenciamento e contratação, protocolo de prevenção às violações de direitos humanos de crianças e adolescentes a ser seguido pelos empreendimentos e setor público e sob monitoramento do Sistema de Garantia de Direitos;
7- Ampliar a rede de serviços públicos com a antecedência necessária para atender o aumento populacional previsto;
8- Promover o fortalecimento prévio de todo o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente;
9- Garantir, em longo prazo, que as riquezas geradas pelos empreendimentos possam ser revertidas em favor das comunidades, respeitando a cultura local, por meio da implantação e implementação de políticas públicas e de fundos de reparação;
10- Garantir que a sociedade, sobretudo as comunidades atingidas, tenham acesso às informações sobre o processo de licenciamento e sobre os impactos que as grandes obras e os megaeventos trarão às localidades;
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