terça-feira, 11 de outubro de 2011

SOCIEDADE CIVIL DISCUTE CAPITALISMO VERDE...

Carta do Acre

Em defesa da vida, da integridade dos povos e de seus territórios e contra o REDD e a mercantilização da natureza

Estivemosreunidos em Rio Branco - AC, entre os dias 3 a 7 de outubro de 2011na Oficina: Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES:Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?

Estávamospresentes, organizações socioambientais, de trabalhadoras etrabalhadores da agricultura familiar, organizações de Resex eAssentamentos Extrativistas, de direitos humanos (nacionais einternacionais), organizações indígenas, organizações demulheres, pastorais sociais, professores, estudantes e pessoas dasociedade civil comprometidas com a luta “dos de baixo”.

Percebemosa formação de um consenso em torno da ideia de que, desde 1999, coma eleição do governo da Frente Popular do Acre (FPA), foram tomadasiniciativas para a implantação de um “novo modelo” dedesenvolvimento. Desde então, tal modelo é celebrado como primor deharmonia entre desenvolvimento econômico e conservação dafloresta, de seus bens naturais e do modo devida de seus habitantes. Com forte apoio dosmeios de comunicação ,de sindicatos, de ONGs promotoras do capitalismo verde na regiãoamazônica, de bancos multilaterais, de oligarquias locais, deorganizações internacionais, ele é apresentado como “modeloexitoso” a ser seguido por outras regiões do Brasil e do mundo.

Nessesdias, tivemos oportunidade de conhecer, em campo, algumas iniciativastidas como referência no Acre. Vimos de perto os impactos sociais eambientais do “desenvolvimento sustentável” em curso no estado.Visitamos o Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes,Fábrica de Preservativos NATEX e o Seringal São Bernardo (Projetode Manejo Florestal Sustentável das Fazendas Ranchão I e II). Asvisitas nos colocaram diante de um cenário bastante distinto daquiloque é propagandeado nacional e internacionalmente.

NoSeringal São Bernardo, pudemos constatar que o atendimento dosinteresses das madeireiras se faz em detrimento dos interesses daspopulações locais e da conservação da natureza. Mesmo asquestionáveis regras dos planos de manejo são desrespeitadas e,segundo dizem os moradores, com conivência de gestores estatais. Nocaso do Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico MendesCachoeira (em Xapuri), constatamos que os moradores continuamsubjugados ao domínio monopolista, atualmente vendem a madeira paraa empresa “Laminados Triunfo” a R$90,00 m3, quando a mesmaquantidade de madeira chega a valer até R$1200 na cidade. Por isso,endossamos a reivindicação de diversas comunidades pela suspensãodos famigerados projetos de manejo. Solicitamos a apuração de todasas irregularidades e exigimos a punição dos culpados peladestruição criminosa dos bens naturais.

Osdias em que tivemos reunidos foram dedicados ainda ao estudo sobreServiços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES. Compreendemos opapel dos Bancos (Banco Mundial, FMI, BID e BNDES), ONG´scomprometidas com o capitalismo verde, tais como WWF, TNC e CI; bemcomo o papel de outras instituições como ITTO, FSC e USAID, setoresda sociedade civil e Governos Estadual e Federal que têm se aliadoao capital internacional na intenção de mercantilizar o patrimônionatural da Amazônia.

Ressaltamosque, além de desprovida de amparo constitucional, a Lei N° 2.308,de 22 de outubro de 2010, que regulamenta o Sistema Estadual deIncentivo a Serviços Ambientais foi criada sem o devido debate comos setores da sociedade diretamente impactados por ela, isto é, oshomens e mulheres dos campos e floresta. Reproduzindo servilmente osargumentos dos países centrais, os gestores estatais locais aapresentam como uma forma eficaz de contribuir com o equilíbrio doclima, proteger a floresta e melhorar a qualidade de vida daquelesque nela habitam. Deve-se dizer, entretanto, que a referida lei gera“ativos ambientais” para negociar os bens naturais no mercadode "serviços ambientais", como o mercado de carbono .Trata-se de um desdobramento da atual fase do capitalismo cujosdefensores, no intuito de assegurar sua reprodução ampliada, lançammão do discurso ambiental para mercantilizar a vida, privatizar anatureza e espoliar as populações do campo e da cidade. Pela lei, abeleza natural, a polinização de insetos, a regulação dechuvas, a cultura, os valores espirituais, os saberestradicionais, a água, plantas e até o próprio imaginário popular,tudo passa a ser mercadoria. A atual proposta de modificaçãodo Código Florestal complementa esta nova estratégia de acumulaçãodo capital, ao autorizar a negociação das florestas no mercadofinanceiro, com a emissão de "papéis verdes", a chamadaCertidão de Cotas de Reserva Ambiental (CCRA). Desse modo, tudoé colocado no âmbito do mercado para ser gerido por bancos eempresas privadas.

Emboraapresentada como solução para o aquecimento global e para asmudanças climáticas, a proposta do REDD permite aos paísescentrais do capitalismo manterem seus padrões de produção, consumoe, portanto, também de poluição. Eles continuarão consumindoenergia de fontes que produzem mais e mais emissões de carbono.Historicamente responsáveis pela criação do problema, agorapropõe m a “solução” que mais atende a seusinteresses. Possibilitando a compra do “direito de poluir”,mecanismos como o REDD forçamasdenominadas “populações tradicionais”is(ribeirinhos, indígenas, quilombolas,quebradeiras de coco, seringueiros etc.) a renunciarem a autonomia nagestão de seus territórios.

Comisso, embaralham-se os papeis. O capitalismo, civilização maispredadora da história da humanidade, não representaria nenhumproblema. Ao contrário, seria a solução. Os destruidores seriamagora os grandes defensores da natureza. E aqueles que historicamentegarantiram a conservação natural são, agora, encarados comopredadores e por isso mesmo são criminalizados. Não surpreende,portanto, que recentemente o Estado tenha tornado mais ostensiva arepressão, a perseguição e até expulsão das populações locaisde seus territórios. Tudo para assegurar a livre expansão domercado dos bens naturais.

Como indisfarçável apoio estatal, por esse e outros projetos o capitalhoje promove e conjuga duas formas de re-territorialização naregião amazônica. De um lado, expulsa povos e comunidades doterritório (como é o caso dos grandes projetos como ashidrelétricas), privando-os das condições de sobrevivência. Deoutro, tira a relativa autonomia daqueles que permanecem em seusterritórios, como é o caso das áreas de conservação ambiental.Tais populações até podem permanecer na terra, mas já não podemutilizá-la segundo seu modo de vida.Suasobrevivência não seria mais garantida pelo roçado de subsistência- convertido em ameaça ao bom funcionamento do clima do planeta -,mas por “bolsas verdes”, que, além de insuficientes, são pagaspara a manutenção da civilização do petróleo.

Cientesdos riscos que tais projetos trazem, rechaçamos o acordo de REDDentre Califórnia, Chiapas, Acre que já tem causado sériosproblemas a comunidades indígenas e tradicionais, como na região deAmador Hernández, em Chiapas, México. Por isso nos solidarizamoscom as populações pobres da Califórnia e Chiapas que já têmsofrido com as consequências. Solidarizamo-nos também com os povosindígenas do TIPNIS, na Bolívia, sob ameaça de terem seuterritório violado pela estrada que liga Cochabamba a Benifinanciada pelo BNDES.

Estamosnum estado que, nos anos de 1970-80, foi palco de lutas históricascontra a expansão predatória do capital e pela defesa dosterritórios ocupados por povos indígenas e populações camponesasda floresta. Lutas que inspiraram muitas outras no Brasil e no mundo.Convertido, porém, a partir do final da década de 1990, emlaboratório do BID e do Banco Mundial para experimentos demercantilização e privatização da natureza, o Acre é hoje umestado “intoxicado” pelo discurso verde e vitimadopela prática do “capitalismo verde”. Dentre os mecanismosutilizados a fim de legitimar essa ordem de coisas, ganha destaque amanipulação da figura de Chico Mendes. A crer no que nosapresentam, deveríamos considerá-lo o patrono do capitalismo verde.Em nome do seringueiro, defende-se a exploração de petróleo, omonocultivo da cana-de-açúcar, a exploração madeireira em largaescala e a venda do ar que se respira.

Antetal quadro, cumpre perguntar o que mais não caberia nesse modelo de“desenvolvimento sustentável”. Talvez em nenhum outro momento ospecuaristas e madeireiros tenham encontrado cenário mais favorável.É por essa razão que cremos necessário e urgente combatê-lo postoque, sob aparência de algo novo e virtuoso, ele reproduz as velhas eperversas estratégias de dominação e exploração do homem e danatureza.

Porfim deixamos aqui nossa reivindicação pelo atendimento dasseguintes demandas: reforma agrária, homologação de terrasindígenas, investimentos em agroecologia e economia solidária,autonomia de gestão dos territórios, saúde e educação paratodos, democratização dos meios de comunicação. Em defesa daAmazônia, da vida, da integridade dos povos e de seus territórios econtra o REDD e a mercantilização da natureza. Estamos em luta.



RioBranco, Acre, 07 de outubro de 2011.



Assinamesta carta:




Assentamentode Produção Agro-Extrativista Limoeiro-Floresta

Públicado Antimary (APAEPL)

Amazonlink

Cáritas- Manaus

Centrode Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre(CDDHEP/AC)

Centrode Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia(CEPEDES)

ComissãoPastoral da Terra – CPT Acre

ConselhoIndigenista Missionário – CIMI Regional Amazônia Ocidental

Conselhode Missão entre Índios – COMIN Assessoria Acre e Sul do Amazonas

Coordenaçãoda União dos Povos Indígenas de Rondônia, Sul do Amazonas eNoroeste do Mato Grosso - CUNPIR

FERN

Fórumda Amazônia Ocidental (FAOC)

GlobalJustice Ecology Project

Grupode Estudo sobre Fronteira e Identidade- UniversidadeFederal do Acre

InstitutoMadeira Vivo (IMV-Rondônia)

InstitutoMais Democracia

MovimentoAnticapitalista Amazônico - MACA

Movimentode Mulheres Camponesas (MMC - Roraima)

NósExistimos - Roraima

NúcleoAmigos da Terra Brasil

Núcleode Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na AmazôniaOcidental -Universidade Federal do Acre.

OposiçãoSindical do STTR de Brasiléia

RedeAcreana de Mulheres e Homens

RedeAlerta Contra o Deserto Verde

RedeBrasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

Sindicatodos Trabalhadores Rurais de Bujarí (STTR - Bujarí)

Sindicatodos Trabalhadores Rurais de Xapuri (STTR- Xapuri)

Terrade Direitos

Uniãode Mulheres Indígenas da Amazonia Brasileira

WorldRainforest Movement (WRM)

Nenhum comentário: