Governo brasileiro silencia sobre violações
04 Março 2013
De cada cinco pedidos de explicação enviados pelo Conselho de
Direitos Humanos da ONU, pelo menos três são ignorados, aponta
levantamento do Correio. Temas vão de grandes projetos, como Belo
Monte, a execuções sumárias de líderes ambientalistas
RENATA MARIZ - Correio Braziliense
Publicação: 04/03/2013 04:00
De todos os questionamentos sobre denúncias enviados pelo Conselho
de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) ao
Brasil, menos de 40% são respondidos. O governo federal, responsável
por atender aos apelos do principal órgão internacional no tema,
mesmo a respeito de situações estaduais ou até municipais,
simplesmente não retorna à maior parte dos comunicados recebidos. Em
média, de cada cinco pedidos de explicação que chegam ao país, mais
de três são ignorados. Os dados fazem parte de um levantamento feito
pelo Correio com informações dos últimos quatro anos.
Entre 2009 e 2012, a ONU se dirigiu ao Brasil pelo menos 19 vezes
com questionamentos sobre situações específicas de violações de
direitos humanos ocorridas em território nacional. Apenas sete foram
respondidos. A postura difere muito do “espírito de cooperação”
mencionado pelo ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota,
segunda-feira passada, em discurso durante a cerimônia de retorno do
Brasil ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Depois de dois anos
fora do colegiado, o país voltou para um mandato de três anos,
iniciado há uma semana exatamente.
Para Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas
Direitos Humanos, uma das entidades da sociedade civil mais atuantes
na ONU, os números levantados pela reportagem mostram que a tal
cooperação carrega muito de retórica. “Responder a um comunicado é o
mínimo que se espera de um país que se diz compromissado com os
direitos humanos, especialmente porque os questionamentos se referem
a violações concretas ocorridas no Brasil”, destaca a especialista.
E completa: “O governo brasileiro não está devendo resposta à ONU
apenas, mas à sociedade brasileira.”
O Itamaraty, por meio da assessoria de imprensa, confirmou a
existência de pelo menos 12 questionamentos sem resposta feitos pelo
Conselho de Direitos Humanos — muitas vezes classificados de “apelos
urgentes” — desde 2009. A pasta ressalta, entretanto, que todos
serão respondidos. Sobre a demora, que em alguns casos chega a três
anos e meio, alega dificuldades na obtenção das informações
necessárias para responder ao órgão internacional. Mas ressalta que
não há prioridade de alguns temas em relação a outros.
“Entendemos a dificuldade, até pelo pacto federativo, de se obter
informações com rapidez. Mas deixar uma comunicação sem resposta por
dois, três anos não parece razoável. Esse argumento vem sendo
apresentado há anos. Então, o governo federal já deveria ter
encontrado uma forma de dialogar melhor com os entes federados”,
ressalta Camila. Para Sandra Carvalho, diretora da organização
Justiça Global, que também acompanha casos de violação denunciados
em nível internacional, há um claro enfraquecimento do tema nos
últimos anos. “O Estado brasileiro tem perdido prazos não só na ONU
mas também na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA
(Organização dos Estados Americanos).”
Tanto na OEA quanto na ONU, o Brasil vem sendo bombardeado por
questionamentos sobre os impactos sociais de grandes obras como a
construção da usina de Belo Monte, no Pará, e a transposição do Rio
São Francisco. Mas também a respeito de execuções sumárias, abuso de
autoridade, ameaça à independência de juízes, povos indígenas e
quilombolas, política de drogas e acesso à saúde. “Alguns são casos
pontuais em que as vítimas ou familiares, não conseguindo respostas
internamente, recorrem a uma esfera internacional. O governo não
pode simplesmente ignorar as demandas e as determinações dos
organismos de direitos humanos dos quais faz parte”, afirma Sandra.
À espera de resposta
Veja alguns dos temas sobre os quais o governo brasileiro silencia
Política de drogas
Caso: Operação na cracolândia em São Paulo.
Data da comunicação: 4/2012
Moradia adequada
Caso: Despejo forçado da comunidade Pinheirinho, em São José dos
Campos (SP).
Data da comunicação: 1/2012
Execuções sumárias
Caso: José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da
Silva, líderes extrativistas jurados de morte no Pará, assassinados.
Data da comunicação: 7/2011
Independência de juízes
Caso: Juíza Fabíola Michele Moura sofre emboscada em virtude de sua
atuação.
Data da comunicação: 7/2011
Acesso à saúde
Caso: Restrições da política de aborto legal no Brasil.
Data da comunicação: 11/2010
Moradia adequada
Caso: Despejos forçados e violentos em Curitiba, Goiânia, Rio de
Janeiro e São Paulo.
Data da comunicação: 8/2009
Sobre o que o governo respondeu nos últimos quatro anos:
- Jornalista Mário Randolfo Lopes, executado no Rio de Janeiro
- Assassinato de liderança indígena Nísio Gomes, em Mato Grosso do
Sul
- Despejos relacionados a obras da Copa do Mundo
- Condições precárias da cadeia provisória de Cariacica (ES)
- Violações relacionadas a Belo Monte
- Violações relacionadas à transposição do São Francisco
- Assassinato de Manoel Mattos, denunciante de grupos de extermínio
Direito a voto
O Brasil havia sido membro durante dois mandatos seguidos, entre
2006, quando o Conselho de Direitos Humanos foi criado, em 2011.
Pelas regras da ONU, um país não pode voltar a concorrer para um
terceiro mandato consecutivo. Dessa forma, o Brasil esteve apenas
como observador durante parte de 2011 e 2012, voltando este ano, com
mandato até 2015. Como membro, o Estado poderá votar sobre
resoluções apresentadas em plenário, direito vedado aos
observadores.
Grandes eventos na pauta
Uma das demandas mais antigas levantadas pelo Correio refere-se a
despejos forçados, com uso de violência, em Curitiba, Goiânia, Rio
de Janeiro e São Paulo. As remoções teriam como finalidade, segundo
a denúncia recebida pela ONU, viabilizar obras relacionadas aos
grandes eventos que o Brasil vai sediar em breve, como as Olimpíadas
e a Copa do Mundo. O governo federal, porém, fez ouvido de mercador.
Assassinatos de defensores dos direitos humanos também são uma
constante na lista de pendências do país com o Conselho de Direitos
Humanos da ONU. Em julho de 2011, o órgão pediu informações sobre a
morte de José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da
Silva, líderes extrativistas executados no Pará. Até hoje, o Brasil
não retornou.
O caso mais recente sem resposta refere-se à operação policial
realizada na cracolândia em São Paulo em janeiro de 2012. Quatro
meses depois, a ONU perguntava ao Brasil detalhes da ação, que teria
sido truculenta, mas até agora não obteve resposta. Uma emboscada
sofrida pela juíza Fabíola Moura, possivelmente devido às sentenças
dadas a policiais corruptos, também é alvo de questionamentos nunca
respondidos pelo Brasil.
Em temas caros ao governo brasileiro, como usina de Belo Monte, Copa
do Mundo e transposição do São Francisco, as respostas costumam ser
dadas com mais agilidade. Às vezes, mesmo respondendo, o Brasil é
criticado pelo atraso ou por informações incompletas. (RM)
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