quinta-feira, 21 de julho de 2011

IMAGENS QUE FALAM POR SI... POR NÓS...







Caros e Caras...
Compartilho algumas imagens que não são "soldados" mas fazem sentido na nossa vida diária...

No teatro da vida todos somos expectadores... salve, salve a Amazônia em Cena na Rua na Madeira Mamoré...

Mas a arena ao ar livre não escapou dos depredadores que "roubaram" todas as lâmpadas para trocar por luzes que iluminam suas noites de noiados da vida...

Talvez a imagem que mais me chocou são os "jovens de rua" já que antes falávamos muito de crianças de rua, mas hoje Porto Velho subiu no conceito atração humana e mudou suas características...

Registro também o lançamento do Plano Safra 2011-2012 ontem pela manhã pela DFDA e INCRA com a presença da SEAGRI, Banco do Brasil, Basa, Emater, Rep. Dep. Fed. Pe. TON, Fetagro entre outras centenas de pessoas...

terça-feira, 19 de julho de 2011

BREVES IDÉIAS SOBRE MOVIMENTO SOCIAL HOJE...

Fui instigado por meu amigo Moacir de Rolim de Moura a lhe apresentar algumas idéias sobre o Movimento Social nesta nossa região... rapidamente fiz esta leitura que disponho aqui para quem quiser lê-la e oferecer suas críticas... do jeito que fiz no email para cá transcrevo...EIS O TEXTO:


-Após o Governo Lula: apatia dos Movimentos Socias - expectativa - a Esperança Venceu o Medo, mas ficaram esperando que Lula resolveria e adormeçeram no "berço explêndido" - logo as forças da direita se apossaram ou tentaram se apossar para desestabilizar o Governo e ai criaram Mensalão, mensalinho entre outros... Houve um acordo entre o Governo Lula e a Via Campesina (MST, MPA e MAB) denominado de trégua pela sustentabilidade do Governo Lula e isso enfraqueceu o poder de ofensiva destes movimentos, o que levou-os a perder a oportunidade de pressionar o governo e este por sua vez pressionar as elites para que a Reforma Agrária avançasse entre outros.
Já o Movimento Sindical não consegue reagir, apesar do lucro acelerado dos banqueiros e pouco se vê de paralizações. Isso também era parte da trégua acordada.
-Já no segundo Governo Lula, essa apatia dos Movimentos Sociais se somam com a desmobilização das Organizações Não Governamentais, sendo que muitos de seus coordenadores assumiram funções em órgãos governamentais, perdendo capacidade de itnervenção, o que era forte na era FHC, forte oposição, mas agora - aliados amordaçados pela estrutura de governo... e a Reforma Agrária ficou na gaveta. Alguns projetos foram implementados no campo para atender as antigas reivindicações: Territórios da Cidadania, construção de casas, créditos que atenderam diretamente os que já estavam com a situação fundiaria resolvida.
Para as ONG´s houve um endurecimento por parte da Câmara e Senado com a CPI das ONg´s, motivados à criminalizar os Movimentos Sociais que acessavam estes recursos para se fortalecer mas na prestação de serviços à sociedade, o que levou o governo à inseri-los nos meios de controle das contas governamentais por meio do SICONV - sistema de controle de convênios, como rigidez no combate à corrupção, mas esta estava longe do SICONV, e sim por meio de doações outras...
-Governo Dilma: vem com um propósito de austeridade, logo o marco regulatório: SICONV e outros mecanismos continuarão submetendo os Movimentos Sociais e Ongs ao controle do Estado brasileiro se quiserem continuar a ter recursos governamentais para suas ações que contemplam milhares de pessoas neste País... Isso passa desde o processo de formação/capacitação dos beneficiários do Bolsa família, até a combate a desmatamento e queimadas por exemplo, ou até mesmo reflorestamento de áreas degradadas, ou saúde indígena, entre outros...
-Já o Movimento Sindical tem se resumido a uma agenda de reposição salarial e não discute mais Reforma Agrária, Agrotóxicos, Agronegócio, ficando isso sob responsabilidade da via Campesina, que a duras penas pleiteia investimentos na Agroecologia...
-A articulação dos Movimentos Sociais de RO se entralaça com os da Bolívia, Perú em defesa dos rios, contras as barragens que insiste em inundar tudo, sob a máxima do desenvolvimento - do PAC I-II-III, da ex-IIRSSA... rumo a uma Panamazônia para os panamazônidas - vide VI FSPA em Cobija 2012...

Essa é uma breve reflexão dos Movimentos Sociais nesta região, para não dizer no Brasil...

Abraços e boa sorte...
Iremar

VIVEMOS A CRISE DE NÓS MESMOS...!?

18.07.11 - Mundo


O ‘complexo Deus' da modernidade

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor

Adital
A crise atual não é apenas de escassez crescente de recursos e de serviços naturais. É fundamentalmente a crise de um tipo de civilização que colocou o ser humano como "senhor e dono” da natureza (Descartes). Esta, para ele, é sem espírito e sem propósito e por isso pode fazer com ela o que quiser.

Segundo o fundador do paradigma moderno da tecnociência, Francis Bacon, cabe ao ser humano torturá-la, como o fazem os esbirros da Inquisição, até que ela entregue todos os seus segredos. Desta atitude se derivou uma relação de agressão e de verdadeira guerra contra a natureza selvagem que devia ser dominada e "civilizada”. Surgiu também a projeção arrogante do ser humano como o "Deus” que tudo domina e organiza.

Devemos reconhecer que o Cristianismo ajudou a legitimar e a reforçar esta compreensão. O Gênesis diz claramente: "enchei a Terra e sujeitai-a e dominai sobre tudo o que vive e se move sobre ela” (1,28). Depois se afirma que o ser humano foi feito "à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,26). O sentido bíblico desta expressão é: o ser humano é lugar-tenente de Deus e como Este é o senhor do universo, o ser humano é senhor da Terra. Ele goza de uma dignidade que é só dele, o de estar acima dos demais seres. Dai se gerou o antropocentrismo, uma das causas da crise ecológica. Por fim, o estrito monoteísmo retirou o caráter sagrado de todas as coisas e o concentrou só em Deus. O mundo, não possuindo nada de sagrado, não precisa ser respeitado. Podemos moldá-lo ao nosso bel-prazer. A moderna civilização da tecnociência encheu todos os espaços com seus aparatos e pôde penetrar no coração da matéria, da vida e do universo. Tudo vinha envolto pela aura do "progresso”, uma espécie de resgate do paraíso das delícias, outrora perdido, mas agora reconstruído e oferecido a todos.

Esta visão gloriosa começou a ruir no século XX com as duas guerras mundiais e outras coloniais que vitimaram duzentos milhões de pessoas. Quando se perpetrou o maior ato terrorista da história, as bombas atômicas lançadas sobre o Japão pelo exército norte-americano, que matou milhares de pessoas e devastou a natureza, a humanidade levou um susto do qual não se refez até hoje. Com as armas atômicas, biológicas e químicas construídas depois, nos demos conta de que não precisamos de Deus para concretizar o Apocalipse.

Não somos Deus e querer ser "Deus” nos leva à loucura. A idéia do homem como "Deus” se transformou num pesadelo. Mas ele se esconde ainda atrás do "tina” (there is no alternative) neoliberal: "não há alternativa, este mundo é definitivo.” Ridículo. Demo-nos conta de que "o saber como poder” (Bacon) quando feito sem consciência e sem limites éticos, pode nos autodestruir. Que poder temos sobre a natureza? Quem domina um tsunami? Quem controla o vulcão chileno Puyehe? Quem freia a fúria das enchentes nas cidades serranas do Rio? Quem impede o efeito letal das partículas atômicas do urânio, do césio e de outras liberadas, pelas catástrofes de Chernobyl e de Fukushima? Como disse Heidegger em sua última entrevista ao Der Spiegel: ”só um Deus nos poderá salvar”.

Temos que nos aceitar como simples criaturas junto com todas as demais da comunidade de vida. Temos a mesma origem comum: o pó da Terra. Não somos a coroa da criação, mas um elo da corrente da vida, com uma diferença, a de sermos conscientes e com a missão de "guardar e de cuidar do jardim do Eden” (Gn 2,15), quer dizer, de manter a condições de sustentabilidade de todos os ecossistemas que compõem a Terra.

Se partimos da Bíblia para legitimar a dominação da Terra, temos que voltar a ela para aprender a respeitá-la e a cuidá-la. A Terra gerou a todos. Deus ordenou: "Que a Terra produza seres vivos, segundo sua espécie”(Gn 1,24). Ela, portanto, não é inerte, é geradora e é mãe. A aliança de Deus não é apenas com os seres humanos. Depois do tsunami do dilúvio, Deus refez a aliança "com a nossa descendência e com todos os seres vivos” (Gn 9,10). Sem eles, somos uma família desfalcada.

A história mostra que a arrogância de "ser Deus”, sem nunca poder sê-lo, só nos traz desgraças. Baste-nos ser simples criaturas com a missão de cuidar e respeitar a Mãe Terra.

ISSO É FATO... QUAL É MESMO O PAPEL DO IBAMA?

15.07.11 - Brasil
A cruel honestidade do Presidente do IBAMA
Roberto Malvezzi, Gogó
Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra


Adital
Finalmente alguém no poder é honesto em suas declarações. Quando Curt Trennepohl, presidente do IBAMA, disse a jornalista australiana que seu trabalho "não é cuidar do meio ambiente, mas minimizar os impactos” e que o Brasil vai fazer "com os índios o que os australianos fizeram com os aborígenes” (F.S.P, 15/07/11), foi de uma honestidade rara e cruel. A declaração é um horror, uma proclamação de genocídio.

Porém, é o que está diante de nossos olhos todos os dias. A tarefa do IBAMA é tentar por remendo novo em pano velho; isto é, amenizar os estragos feitos pelas grandes obras, seja de iniciativa particular ou oficial. A prevenção e a precaução não fazem parte do roteiro governamental.

A CPT, juntamente com o CIMI, sabe que anda muito só ultimamente nas suas lutas pelo campo. As populações mais vitimadas pelo modelo atual, e pelo governo atual, são exatamente os indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Os Movimentos da Via Campesina se defendem melhor, até por sua proximidade com o governo. Porém, na hora da luta concreta, as comunidades tradicionais estão enfrentando uma solidão cósmica.

Porém, a honestidade do presidente do Ibama não anula a dimensão cruel, anti-humana, que permeia a política desenvolvimentista atual. Antes, a prerrogativa do sacrifício humano pertencia às religiões. Os que têm descendência bíblica acabaram com essa crueldade quando o Deus bíblico não permitiu que Abraão sacrificasse Isaac. Ele não precisava do sacrifício humano, embora judeus e cristãos depois tenham sacrificado multidões ao longo dos séculos. Mas, Astecas, Incas e outras tradições religiosas sacrificaram pessoas enquanto seus impérios duraram.

Hoje, a prerrogativa do sacrifício humano pertence ao capital. Ele decide quem deve morrer. E quem morre são indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e o meio ambiente.

Se quisermos manter um pingo de dignidade humana, devemos nos afastar não só da direita, mas também das esquerdas que aceitam o sacrifício humano em nome do desenvolvimento, da revolução, ou de qualquer outra causa onde a vida humana seja o combustível.

Na luta contra as mudanças no Código Florestal, Belo Monte, Transposição; enfim, contra o modelo predador imposto, podemos identificar perfeitamente quem é quem no Brasil de hoje.

MOVIMENTOS E A LUTA CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DAS ÁGUAS...

19.07.11 - Brasil
Seminário propõe articulação de movimentos da América Latina contra privatização da água
Camila Maciel
Jornalista da Adital
Adital


"Está em curso um processo de privatização da água no Brasil, semelhante ao que aconteceu com o setor de energia elétrica, quando, depois de privatizado, as tarifas aumentaram cerca de 400%”. A advertência é do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que realiza, a partir de amanhã (20), o Seminário Internacional: Panorama político sobre estratégias de privatização da água na América Latina. O evento será realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e segue até quinta-feira (21).

O Seminário cumpre com o objetivo de articular as experiências de luta contra a privatização da água na América Latina, para tanto serão debatidos os atuais projetos em curso que visam a mercantilização da água em diferentes países. Participarão movimentos sociais, acadêmicos e convidados do Brasil e de outros 13 países da América Latina, Europa e África.

"Precisamos envolver todos nesse debate. A população precisa se alertar e impedir qualquer tentativa de privatização”, convoca Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB. Ele relata que em um plebiscito realizado da Itália, 95% dos votantes disseram "não” à privatização da água no país. "A população se mobilizou e impediu que o governo privatizasse”, declarou, explicitando uma das ações que serão compartilhadas por ocasião do Seminário.

Além da privatização do abastecimento de água, Cervinski revela que inúmeras táticas estão sendo adotadas, como a municipalização do setor, transferindo a responsabilidade aos municípios, como forma de pulverizar a negociação para mercantilização da água; leilões de hidrelétricas, concedendo por décadas o direito de exploração dos recursos hídricos; cobrança para uso das águas dos rios, por meio dos Comitês de Bacias; dentre outras formas. Setores como mineração, agricultura e saneamento são os que mais intervêm nesse sentido.

"Identificamos que o processo de privatização da água tem se acelerado, especialmente, depois da crise de 2008”, explica Gilberto, referindo-se à crise econômica mundial, iniciada nos Estados Unidos com a falência de grandes instituições financeiras. Cervinski destaca que esses processos envolvem grandes corporações internacionais, que perceberam na água um grande negócio.

Cervinski relembra que, com a intensificação das privatizações na década de 1990 no Brasil, a questão da água ficou ameaçada, "mas uma forte resistência dos movimentos fez com que as grandes empresas recuassem por um tempo”. Atualmente, o sistema de saneamento básico tem sido o mais atingindo pela privatização, especialmente nas grandes e médias cidades, elevando enormemente o valor das tarifas.

Nesse sentido, o coordenador do MAB cita o exemplo de Santa Gertrudes, cidade do estado de São Paulo, onde as tarifas "explodiram” em apenas três meses depois de privatizadas. Segundo Gilberto Cervinski, uma das formas encontradas para expansão do setor é com o envolvimento de empresas de consultoria nos Planos de Saneamento, que devem ser feitos pelos municípios brasileiros. Vinculadas às grandes corporações, as empresas de consultorias estariam orientando as administrações municipais, a partir do trabalho realizado por eles, a adoção do modelo privatizado.

A programação do Seminário Internacional pode ser acessada em: http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/mab-realiza-semin-rio-internacional-sobre-gua-nessa-semana

PARTILHANDO A MEMÓRIA DAS CEBs...

05.07.11 - Brasil
O trem das CEBs
Pe. Alfredo J. Gonçalves
Assessor das Pastorais Sociais.


Adital
De algum tempo para cá, tornou-se comum falar de crise das Pastorais Sociais, dos Movimentos Populares e das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s). Crise que, em grau considerável, é ampliada às esquerdas em geral. Semelhante crise estaria vinculada, entre outros fatores, à perplexidade que, desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, dominou não poucos agentes e lideranças das organizações da sociedade civil quanto ao desempenho do governo capitaneado pelos caciques do Partido dos Trabalhadores. O projeto popular teria sido abortado com os ajustes da própria vitória de Lula, diluindo-se num marasmo indefinido de apatia, falta de estímulo e descontentamento.

No caso das CEB’s, entretanto, a crise vem crescendo como cizânia no terreno de uma Instituição milenar que, segundo alguns, volta-se gradativamente para o interior de si mesma, preocupada menos com a "questão social”, tão cara aos principais documentos da Doutrina Social da Igreja, e mais para os problemas de caráter moral e/ou doutrinário, bem como para um espiritualismo estéril e avesso a qualquer tipo de compromisso social. A exterioridade dessa opção se reveste de um liturgismo fortemente ritualista e rigoroso. Também a preparação do próprio clero, no interior das casas de formação, estaria priorizando a função e a visibilidade do sacerdócio. De acordo com outras vozes, a crítica é ainda mais severa.

Nas últimas décadas estaríamos assistindo, na Igreja Católica, a um retorno "à grande disciplina” (JB Libânio), à sacristia, à concepção de uma rígida hierarquia. Neste caso, tratar-se-ia de uma verdadeira involução frente à postura dos anos de 1960-70, no enfrentamento da ditadura militar. Os chamados movimentos religiosos de matiz espiritualizante, espécie de pentecostalismo católico, avançam nas lacunas deixadas por uma ação social mais incisiva, transformadora, libertadora. Em contrapartida, tanto as CEBS’s quanto a Teologia da Libertação (TdL), teriam encolhido de tamanho, ousadia e visibilidade sociopolítica. Até mesmo a "opção preferencial pelos pobres”, ainda que reconhecida e apoiada pela Santa Sé, pelas cartas encíclicas papais e pelos documentos do Conselho Episcopal Latinoamericano (CELAM), parece sofrer de uma timidez irreconhecível, se levarmos em conta a firmeza, o engajamento e coragem das décadas passadas.

Os direitos humanos e os problemas socioeconômicos e político-culturais teriam passado, assim, a um segundo plano. Num universo cada vez mais marcado pelo pluralismo cultural e religioso, de uma parte, e de progressivo crescimento das Igrejas Pentecostais, de outra, a instituição católica trata de desenhar os contornos de sua identidade. O que a leva, por outro lado, a esforçar-se laboriosamente para uma maior incidência na sociedade civil e política. Aqui não faltam os extremistas para preconizar, alto e bom som, o surgimento de uma nova cristandade.

Neste quadro, convido os leitores a uma viagem no trem das CEB’s, metáfora que acompanha sua caminhada ao longo do percurso, cujos vagões representam, cada um, os grandes encontros nacionais e/ou regionais. No decurso de nossa viagem, somos igualmente convidados a uma parada para reflexão em cinco estações: origem, luz, projeto popular, vitória e esperança. Evidente que, através das janelas da composição, o horizonte se alargará para um panorama mais vasto, levando em consideração o contexto da sociedade moderna ou pós-moderna.

1.Estação da Origem

Na primeira estação, detemo-nos para refletir sobre a origemdas Comunidades Eclesiais de Base. A meu ver, desde o início elas se erguem sobre quatro pés: o clamor dos oprimidos na América Latina, de maneira particular sob o peso das ditaduras militares, que leva a uma nova práxis cristã; a força da Palavra de Deus que joga nova luz sobre essa situação de pobreza e opressão, com a releitura do Livro do Êxodo e dos profetas, da prática de Jesus nos Evangelhos e de outras passagens bíblicas; o impulso dos documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II, em especial a nova eclesiologia da Constituição Dogmática sobre a Igreja, a Lumem Getium, e abertura aos desafios modernos da Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo de Hoje, a Gaudium et Spes; por fim, a reflexão crítica da Teologia da Libertação, como reinterpretação da prática libertadora. Como pano de fundo está a concepção de Igreja, não mais hierárquica, e sim como Povo de Deus. A pirâmide medieval desfaz-se em um círculo de igualdade. Nele, Cristo ao centro, toda a Igreja deve tornar-se ministerial e seus vários serviços não são maiores ou menores em grau, mas apenas diferentes. Evidente que há um longo caminho a percorrer para atingir esse ideal.

Nesse esquema, é notória a noção de círculohermenêutico: a realidade iluminada pela Palavra de Deus desencadeia uma prática cristã de natureza transformadora; esta, retroagindo sobre os livros bíblicos, provoca uma nova interpretação, tanto de seu conteúdo como de seu contexto histórico; a reinterpretação dos textos sagrados, por sua vez, incide sobre a práxis libertadora, levando a comunidade a uma ação cada vez mais comprometida. O círculo cresce de forma dinâmica, dialética e espiral, conduzindo a uma ampliação de horizontes. Alargam-se, de um lado, as possibilidades de uma leitura contextualizada dos livros do Antigo e Novo Testamento e, de outro, as potencialidades de mudança nas diferentes ações sociais e políticas.

A esta altura, vale um alerta. Muitas vezes se pergunta como está a Teologia da Libertação. Como diria Gustavo Gutierrez (autor do livro Teologia da Libertação), o que importa não é tanto a teologia, e sim a libertação. De fato, a ação libertadora é que desencadeia a dialética do círculo virtuoso acima descrito. A teologia é um discurso segundo e isto em duplo sentido: por uma parte, ela deve contar com os instrumentos teóricos das ciências sociais, que a ajudam a ler o complexo pergaminho da história; por outra, ela é chamada a refletir a partir da nova prática dos cristãos frente aos desafios da realidade. Sobre esse duplo terreno, a teologia busca na Palavra de Deus, na Doutrina Social da Igreja e na tradição teológica os elementos para entender e, ao mesmo tempo, iluminar essa prática. Resulta, com isso, uma reiterada potencialização da ação transformadora. E esta, por seu turno, também interpela e amplia o raio de conhecimento teórico da própria teologia.

Nem precisaria acrescentar que semelhante prática cristã foi grandemente influenciada pelo método de alfabetização e educação de Paulo Freire. Também este parte da realidade, dela retira palavras-chaves do cotidiano das pessoas para desencadear o processo de aprendizado, que é igualmente o processo de libertação sociopolítica. Fundindo ambas as práticas, poder-se-ia parafrasear Paulo Freire dizendo que ninguém educa ninguém e tampouco liberta ninguém; as pessoas se educam e se libertam mutuamente. É preciso reconhecer que livros como Pedagogia do Oprimido e Educação para a Liberdade, ambos de Paulo Freire, marcaram decisivamente as comunidades cristãs que procuravam unir fé e vida.

2.Estação da Luz

É justamente o binômio "fé e vida” que nos leva à segunda estação, luz. A palavra remonta ao túnel escuro das ditaduras militares, seja no Cone Sul, seja nos países bolivarianos, sejam, enfim, na América Central e Caribe. Nesse período sombrio, de perseguição, tortura e morte, as CEB’s representaram uma pequena luz em meio à escuridão. Não poucos agentes e lideranças sociais, políticas e sindicais encontraram abrigo no grande "guarda-chuva” da Igreja Católica. Não toda a instituição, evidentemente, mas em seus setores mais progressistas, afinados quer com a eclesiologia do Concílio Ecumênico Vaticano II e os documentos do CELAM, quer com a crescente produção teórica vinculada à Teologia da Libertação.

Restringindo-nos ao Brasil, um grupo relativamente pequeno de bispos ditos "progressistas” conseguiu elaborar e publicar documentos de um caráter espantosamente profético.Ouvi os clamores do meu povo, originário do nordeste brasileiro, é um texto emblemático a este respeito. Fundamentava-se no capítulo três do Livro do Êxodo e, corajosamente, denunciava as injustiças sociopolíticas e anunciava a necessidade de mudanças urgentes, para a construção de "um novo céu e uma nova terra”. Sem estender em demasiado a lista das figuras mais proeminentes, a reflexão faz emergir os nomes de Dom Hélder Câmara, de Dom Paulo Evaristo Arns, de Dom Pedro Casaldáliga, entre tantos outros.

Mas, da mesma forma que na eclesiologia do Povo de Deus os bispos não constituem toda a Igreja, somam-se ao profetismo deles uma infinidade de sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos, os quais contribuíram para o aprofundamento dessa prática libertadora à luz da Palavra de Deus. Frei Tito, Frei Betto e Vladimir Herzog, além de numerosos teólogos, sindicalistas, professores, jornalistas, catequistas e políticos, poderiam encabeçar um desfile de mártires que nos levaria muito longe. Isto para sequer falar dos outros mártires, anônimos e inteiramente desconhecidos. A interação permanente e recíproca entre CEB’s e TDL abriu horizontes mais largos para a participação dos cristãos nas transformações socioeconômicas e políticas. Desnecessário lembrar que a "opção preferencial pelos pobres”, numa fé compromissada com os direitos humanos e a construção de uma nova sociedade, vale dizer o Reino de Deus, ganhou uma relevância inédita e temerária para os "donos do poder”. Fé e vida, termos fortemente entrelaçados e se interpelando mutuamente, representaram a nova aurora da práxis cristã e libertadora.

Ao mesmo tempo refúgio, proteção e luz, a Igreja das CEB’s converte-se em terreno fértil para milhares de iniciativas populares em luta para melhorar as condições reais de vida e trabalho. Tome-se como exemplo a "operação periferia”, na qual o arcebispo Dom Paulo Evaristo, junto com agências co-financiadoras internacionais, ajudou na proliferação de centenas de comunidades pela periferia de São Paulo, então em franco e desordenado crescimento demográfico, devido, particularmente, à forte migração interna do nordeste para o sudeste.

3.Estação do Projeto Popular

O projeto popular para o país constitui nossa terceira estação. Nela, nossa parada será um pouco mais prolongada. Mesmo no interior do regime de exceção, as comunidades cristãs significaram, na década de 1970 e início de 80, um dos igarapés que haveriam de formar o grande rio do projeto alternativo para o Brasil. Elas se juntaram a outras forças vivas e ativas na sociedade brasileira, tais como os movimentos populares, sindicais e estudantis, entre outras organizações não governamentais. Subdividiremos este item em duas partes.

a)Três esboços de projeto

De acordo com alguns analistas políticos, com destaque para José Luiz Fiori, é possível identificar no cenário da política brasileira três projetos mais ou menos distintos. Não são três propostas definidas, explícitas, com fronteiras precisas. Mas três tendências de caráter político e econômico que emergem no decorrer das últimas décadas.

A primeira pode ser chamada de nacional conservadora. Pressupõe as riquezas naturais do Brasil, aliadas à experiência de um povo criativo e trabalhador. Conta com a possibilidade de construir um país autônomo, livre e soberano, mas sem mexer nas estruturas assimétricas e injustiças que datam dos tempos coloniais. Desenvolve um grande parque industrial, para fabricar os produtos até então importados, mas cria leis trabalhistas baseadas na Carta del Lavoro (Itália de Mussolini). Não seria, por exemplo, o projeto do Estado Novo, de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek?

A segunda tendência é batizada de nacional popular. Também esta supõe a riqueza do solo e do povo brasileiro, visando construir um país autônomo, livre e soberano. Ela tem raízes na resistência indígena, negra e popular dos séculos passados. Mas nas décadas de 1950 e 1960, ela ganha contornos mais definidos. Exemplos disso são as Ligas Camponesas, o método de educação de Paulo Freire; Brizola e João Goulart, apesar de suas contradições; a universidade brasileira, especialmente com Darcy Ribeiro; o movimento estudantil; a música popular e a arte, e assim por diante. Há uma cara indefinida de projeto popular, de matizes socialistas.

Surge então a terceira tendência, de corte liberal/neoliberal, que com o golpe de 1964, corta a cabeça do "projeto popular”. Os militares atrelam o país ao mercado financeiro internacional e iniciam o processo de endividamento externo. O Brasil torna-se satélite dos países centrais como grande fornecedor de matéria-prima. Também esta tendência tem raízes na época do capitalismo mercantil, com os chamados ciclos econômicos. Além dos militares, serão os presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso que levarão a cabo o "entreguismo brasileiro” mais descarado, através das privatizações e da abertura ao capital internacional.

b) Projeto popular

No início da década de 1970, o projeto de tendência popular começa novamente a levantar a cabeça. Vários igarapés surgem: comunidades eclesiais de Base (CEB’s), iluminadas pela Teologia da Libertação; movimentos populares, contra a carestia e a favor de outras reivindicações; sindicalismo combativo, movimentos estudantis e a contribuição de "intelectuais orgânicos” (expressão de Gramsci). Estes igarapés convergem para formar um grande rio que, nos primeiros anos de 1980 reúne todas essas águas para fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT).

Desde então, assistiremos ao embate político de dois projetos cada vez mais definidos. De um lado, o projeto neoliberal, que aborta o movimento das Diretas Já, e toma as rédeas do poder, ganhando seguidamente as eleições majoritárias; de outro lado, o projeto nacional popular que, desde 1982, inicia a disputa pelo poder a partir dos municípios, depois dos Estados e por fim, em 2002, chega ao Palácio do Planalto com a eleição inédita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula não é um meteoro, ou um aventureiro que aparece do nada. Sua trajetória tem raízes profundas nos movimentos sociais e nas organizações de base das quatro décadas precedentes ao pleito eleitoral que o levou à Presidência.

Se, nos anos de 1980, os movimentos e organizações sociais se consolidam e se fortalecem, nos anos 90, passam a um entrelaçamento inédito de parcerias, ou de redes. Contribuiu para isso as Semanas Sociais Brasileiras, o Grito dos Excluídos, a Campanha Jubileu Sul, a Consulta Popular, O Seminário e Tribunal da Dívida Externa – redes que se ampliam em nível nacional e internacional e que vão desaguar na organização dos Plebiscitos e nas Assembléias Populares. É neste contexto que Lula chega à cadeira presidencial.

4.Estação Vitória

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, esconde uma armadilha. Quando chega ao Planalto Central, três fatores fizeram o novo presidente dar as costas ao projeto popular e contentar-se com a administração do projeto neoliberal. Primeiramente, as expectativaslevantadas na população, pela vitória de um presidente operário, estavam muito acima da capacidade organizativa e mobilizadora das forças sociais. Lula é um político nato, tem faro para captar a atmosfera e a correlação das forças em jogo. Em segundo lugar, percebendo essa disparidade entre expectativas e condições reais de ação política, estabelece uma aliança pela governabilidade não com as organizações que o elegeram, mas com os representantes do Brasil "terra de contrastes” (Roger Bastide). Semelhante pacto, num cenário de forças tão desiguais, acaba necessariamente por fortalecer o mais forte. Não se faz aliança entre tubarões e sardinhas. Por fim, vem a famigerada Carta ao Povo Brasileiro, endereçada à população deste país, mas dirigida ao capital financeiro internacional, no sentido de acalmar os ânimos exaltados. Em seu conteúdo, Lula garante manter todos os compromissos, isto é, não haverá calote! Os banqueiros, latifundiários, industriais... Enfim, as classes dominantes podiam dormir tranqüilas.

Em poucas palavras, a coligação liderada pelo PT ganhou o governo, mas não ganhou o Estado. O Estado brasileiro, com seus múltiplos órgãos e instâncias, histórica e estruturalmente mantém-se retrógrado ao extremo e avesso a qualquer tipo de mudança. O governo passa a ignorar essas forças, procura ganhar espaços no cenário internacional e entrega o controle do Banco Central a Henrique Meirelles, um dos grandes pivôs da política neoliberal. Ironia do destino, o governo do PT, criado no berço das organizações sociais, assume a ingrata tarefa de gerenciar a crise do neoliberalismo. Paralelamente a isso, nos eventos dos movimentos e organizações de base começa uma ladainha onde as palavras mais sublinhadas são: desilusão, desencanto, perplexidade, desestímulo, apatia, desmobilização, cooptação, indignação, entre tantas outras. Mais que um projeto de nação, prevalece um projeto de poder.

Para usar uma metáfora de Jean-Claude Guillebaud, se a nave Brasil foi colocada pelos governos anteriores no piloto automáticodo mercado global, o presidente Lula foi eleito para retomar o piloto manual e tentar uma guinada na direção das reformas básicas e urgentes, aspirações da população de baixa renda. As forças de direita não o permitiram fazer isso. Sobrou ao presidente eleito pouca margem de manobra. Por uma parte, cresciam os lucros do sistema financeiro e desenvolvia-se agronegócio, por outra, o governo procurava distribuir algumas migalhas aos pobres: bolsa-família e bolsa-escola, minha casa minha vida, crédito mais acessível, cotas nas universidades, aumento do salário mínimo, criação de novos empregos, entre outras. Trata-se aqui de políticas públicas ou políticas compensatórias? A pergunta remete a um debate nada ocioso nos dias atuais.

5.Estação Esperança

Paramos, finalmente, na quinta e última estação, a da esperança. Comecemos por retomar a ladainha da crise que se estabelece com a vitória de Lula e seu desempenho como presidente que, a partir da Senzala, alcança as salas da Casa Grande(para usar a consagrada expressão de Gilberto Freire). Seguem-se dois mandatos onde o modelo neoliberal não se altera, apesar de uma fatia um pouco menos magra para a população de baixa renda. Junto com esses anos, acumula-se certa amargura, perplexidade, desilusão, desencanto, indignação, apatia, entre tantos outros sentimentos adversos, explícitos ou implícitos. Os núcleos do PT, os movimentos e pastorais sociais e as organizações de base, para dizer o mínimo, assistem à desintegração do projeto popular. Consciente ou inconscientemente, segue-se, por parte do governo, a cooptação ou neutralização das energias de vanguarda.

a)Crise e encruzilhada

Se esse é o caso, por que estação da esperança? Porque toda crise é ambígua: tem seu lado negativo e seu lado positivo. Primeiro ela nos leva ao berço, ao muro das lamentações, ao "chororô”. Por mais crescidos que sejamos, carregamos uma saudade primordial do colo da mãe. Pelas minhas idas e vindas através do território nacional, entendo que já estamos superando o lado negativo da crise. Pouco a pouco, assamos a seu lado positivo, encaramos os desafios que estão pela frente. Aliás, após levar ao berço, a crise costuma deixar os fracos aí, numa lamentação saudosista e eterna, mas conduz os fortes a uma nova fronteira: é justamente a encruzilhada.

O conceito de encruzilhada é diferente da crise. Ela pressupõe bifurcação de alternativas e necessidade de escolha. Requer tomada de opções. O que nos dias de hoje nos ensina a encruzilhada? O que aprendemos? Basicamente que, além da via parlamentar, existem outras vias para a participação popular no processo político. Não podemos restringir nossa ação a um determinado partido, por mais avançado que seja. Aliás, nos países do ocidente democrático, em geral, a via parlamentar e uma "via para lamentar”! Sempre reconduz os poderosos ao poder, com se este tivesse cadeira cativa para uma minoria rica e dominante.

Aprendemos também que, do ponto de vista evangélico, o Reino de Deus não cabe em nenhum projeto político, em nenhuma formação social e histórica. Não cabe nos limites estreitos de uma classe, de uma coligação partidária de um projeto de nação. Menos ainda na inteligência, imaginação ou razão humana. Tampouco cabe nas estruturas da Igreja institucional. "O vento sopra onde quer”, diz o Evangelho. O Reino é uma instância evangélica que sempre nos interpela e nos chama a dar um passo à frente. O Espírito irrompe no mundo a partir do futuro, reabrindo toda e qualquer possibilidade histórica. Por isso é que cada ponto de chegada é um novo ponto de partida. "Deus não gosta dos que já chegaram” – diz o poeta – "nem dos que têm medo de partir; Deus gosta dos que estão a caminho”.

b)A semente

Convém concluir com uma das metáforas mais ricas de Jesus, a da semente. Esta contém várias lições para os dias que correm. Antes de tudo, encruzilhada é como um fosso na história, tempo de semear, não tanto de colher. E quem semeia nem sempre é quem colhe. Ao contrário, na imensa maioria dos casos, semeamos para que outros colham. Nós que estamos nesta sala já fizemos nossa colheita. Nossa tarefa agora é lançar a semente na terra.

Outra lição da semente. Lenta mas gradualmente, ela matura no silêncio escuro úmido e oculto da terra. Invisível e imperceptivelmente, cresce para baixo, antes de erguer-se para o sol, a luz e o céu. Cria raízes antes de tornar-se árvore e produzir folhas, flores e frutos. O mesmo ocorre com o projeto popular: primeiro ele mergulha suas raízes nas dores e esperanças, lutas e sonhos do povo, especialmente dos setores mais fragilizados da população, depois se ergue para o alto. Como a espiga, a flor e o edifício, ele se levanta a partir do chão. Mudança alguma vem de cima; antes, brota do solo da história, por mais árido que ele seja.

E aqui emerge outra lição da semente. Qualquer gesto, por menor e mais insignificante que seja, é fator de mudança na história. Um olhar, um sorriso, uma palavra, um toque, uma visita, uma presença, um telefonema, um e-mail... São gestos que custam muito pouco, mas fazem um bem que as palavras não bastam para definir. Diz o evangelista Lucas que Jesus passou pela vida "fazendo o bem”. Mas quando, na quinta-feira santa, às portas da morte, se depara diante do Pai, tem as mãos vazias. Ao lado, estão doze "gatos pingados” que logo o haverão de abandonar, trair, negar e fugir. Mas a semente não fora lançada em vão.

Nenhum gesto solidário se perde na história. Esta não avança de forma linear, mas através de mudanças mínimas e invisíveis, as quais vão acumulando forças para um salto qualitativo. A Revolução Industrial, a Revolução Francesa, o Concílio Vaticano II, a eleição de Lula... Embora em graus e campos distintos, são saltos qualitativos possibilitados por anos, décadas e até séculos de pequenas mudanças. São estas que acumulam as águas de uma represa capazes de gerar a energia suficiente para uma transformação mais substantiva e radical.

Por fim, a semente revela a esperança de que as mudanças não se realizam através de espetáculos. Estes, ao contrário, tendem a naturalizar as assimetrias e injustiças do cotidiano. Basta ver as manchetes da mídia: quando se espetaculariza uma notícia de extrema violência contra a mulher, por exemplo, a tendência do expectador é normalizar e cristalizar a violência diária, feita gota a gota, normalmente intra-familiar. Mas nem por isso menos perniciosa. Os espetáculos são como shows pirotécnicos: com a mesma velocidade que sobem e iluminam, descem e viram cinza. Ninguém garante a felicidade com os sucessos, pois estes são seguidos de freqüentes insucessos. A felicidade se constrói nas pequenas alegrias e doações do dia-a-dia.

No domingo costumamos presenciar algum espetáculo, cultural ou religioso. Mas todo o domingo tem sua segunda-feira, e então descobrimos que a cruz e o sofrimento precedem a ressurreição. Os espetáculos, além disso, nos levam a priorizar a pastoral dos eventos, em detrimento da pastoral do processo. Nada contra os eventos, desde que eles estejam conectados com uma rede capilar de organização de base, como são, de resto, os encontros nacionais de CEB’s. Os eventos, quando desconectados de uma ação responsável e contínua, como diz a própria palavra, nada mais são do que vento.


[(Assessoria à Assembleia das CEB’s, Arquidiocese de S. Paulo, 03/07/2011)].

segunda-feira, 18 de julho de 2011

ANTROPÓLOGO DA UNIR ESCREVE EM DEFESA DOS XAVANTES!

É uma honra para mim dizer que conheço os Xavante de Marãiwatsede. Sua história e trajetória, ao longo das últimas décadas é uma pequena mostra de seu caráter e, mais que isso, de como um Estado passa por cima de suas leis em nome do interesse econômico de alguns, e de modelos muito suspeitos de “desenvolvimento econômico”...


Em agosto de 1966, cerca de duzentos e cinqüenta índios Xavante foram deslocados por meio de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) da região de Marãiwatsede para a Missão Salesiana na aldeia Xavante de São Marcos, 400 km ao sul. Cerca de duas semanas depois, quase cem deles morrem de sarampo. Em agosto de 2004, trinta e oito anos depois, duzentos e oitenta índios Xavante, remanescentes do grupo deslocado pela FAB, retornam à Marãiwatsede. O que se sabe sobre esse grupo específico, na etnologia sobre os Xavante, é relativamente pouco. Lopes da Silva aponta que por volta dos anos 1920, os Xavante fundam, na região da Serra do Roncador, a aldeia de Isorepré (“Pedra Vermelha”), de onde virão a partir em diferentes direções e em vários momentos, facções diversas que fundarão novas aldeias. Uma dessas aldeias é Marãiwatsede, na região do rio Suiá-Missu, cerca de 100 km ao norte.

Em 1961, um fazendeiro paulista chamado Ariosto da Riva adquire uma área de 1,8 milhão de hectares, compreendendo a região de Marãiwatsede. Aos poucos, fazendo uso de brindes, consegue atrair os grupos da região, convencendo-os a formar sua aldeia (chamada de Wede’omo’re) próximo ao acampamento dos “mateiros” contratados por Ariosto. Como a presença indígena se mostrava um inconveniente para a ocupação da área, os donos da fazenda procuraram a FAB, os Salesianos da missão de São Marcos e o Serviço de Proteção ao Índio para proceder a transferência dos índios de Marãiwatsede para a aldeia de São Marcos.

Dessa transferência, entre outras coisas, algumas se destacam na memória dos Xavante sobreviventes: (1) a epidemia de sarampo que matou cerca de 100 índios nas duas primeiras semanas em São Marcos; (2) o choque causado pela mudança de ambiente nesse processo – Marãiwatsede fica em área de mata de transição, um ecossistema diferente dos campos de cerrado os quais tradicionalmente esses índios ocupam; e (3) ao chegarem à Missão, contam os mais velhos que as crianças foram separadas de seus pais e levadas a internatos salesianos, onde eram obrigados a desempenhar tarefas como lavagem de roupas e proibidos de falar na língua xavante.

Em 1972 o grupo sobrevivente sai da aldeia São Marcos e se desloca para a região de Couto Magalhães (atual T.I. Parabubure)e de lá para a T.I. Areões, em 1982. Três anos depois, em 1985, migram para outra Terra Indígena (Pimentel Barbosa), onde fundam a aldeia Água Branca.

Em 1992 a fazenda Suiá-Missu encontrava-se sob controle da Liquifarm S/A, braço brasileiro da multinacional italiana Agip Petroli. Durante a Eco 92, a empresa se compromete verbalmente a devolver parte da área original aos Xavante. Em abril de 1992 o Grupo de Trabalho responsável pelos estudos de identificação da área conclui seus trabalhos, sendo que em dezembro de 1998 é homologada a T.I. Marãiwatsede, com 165.241 ha.

Entretanto, entre o final dos estudos e a homologação a área identificada como indígena foi fruto de invasões e grilagens sistemáticas, encabeçadas por grupos políticos locais e nacionais – processo que perdura até os dias de hoje.

Sistematicamente os Xavante buscaram retornar a seu território pelas vias formais até que em 2003, já cansados e com a situação na T.I. Pimentel Barbosa insustentável, os anciãos resolvem retornar a aldeia de origem, antes de falecerem. Em novembro de 2003, um grupo formado por cerca de 280 indivíduos tenta reocupar a área homologada, sendo impedidos por um grupo de posseiros que bloqueavam a BR-158.

Foi neste contexto que conheci os Xavante de Marãiwatsede, quando concluía minha dissertação de Mestrado.

A situação que encontrei na época era a seguinte: de um lado da rodovia de chão batido, algumas barracas de lona preta onde ficavam os homens (mulheres e crianças ainda não haviam chegado ao local) e as barracas dos funcionários da Funai. Separados por cerca de 50 metros, com um pequeno córrego entre os dois grupos, outro acampamento, feito de pequenas taperas de palha, onde ficavam os posseiros. Meses depois chegaram ao acampamento mulheres e crianças da aldeia Água Branca, ficando o grupo acampado, nessas condições, até agosto de 2004 (10 meses, no total). Pela total falta de saneamento e devido a precariedade das condições de saúde, dezenas de crianças foram hospitalizadas e algumas chegaram a falecer, sendo enterradas na beira da Rodovia (http://www.brasiloeste.com.br/noticia/1088/).

As notícias chegaram então aos grandes veículos de imprensa e finalmente, em 10 de agosto de 2004, amparados por uma decisão do STF, é permitido aos Xavante ocuparem uma pequena área de uma fazenda vazia na região, onde permanecem até hoje ainda sob clima de tensão permanente – recentemente posseiros cercaram um ônibus que transportava jovens de Marãiwatsede para uma escola em um município vizinho, incendiando-o e ferindo gravemente dois jovens, e as cruzes que marcam os pequenos túmulos das crianças, enterradas a beira da estrada, são sistematicamente arrancadas pelos não-indígenas da região.

Nesses 13 anos trabalhando com os Xavante, posso dizer que meu coração está em Marãiwatsede: é onde está minha família xavante e onde furei minha orelha. Mais que isso, é a aldeia onde me sinto em casa, por mais que o poder público e o Estado tenham abandonado aqueles índios à própria sorte: como é possível a maior aldeia Xavante, com mais de 700 pessoas sobreviver em tão pouca terra, com quase nenhum curso d’água decente e sem ter o que plantar. Em 2006 circulou uma carta minha pela internet (http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=226881) já denunciando que, enquanto o poder público dormia sobre o processo, os posseiros vilipediavam a área indígena. Também não é de hoje a denúncia de que buscou-se negociar as obras na BR-158, tentando comprar os índios de Marãiwatsede com promessas de tratores e maquinário: promessas rechaçadas veementemente pelos indígenas, posto que a única coisa que eles sempre desejaram, desde que foram expulsos de sua área, em 1966, foi poder resgatar a dignidade que lhes havia sido retirada em troca de cabeças de gado.

Hoje o território indígena é alvo sistemático de contrabando de madeira e lidera as estatísticas nacionais de queimadas (http://www.globoamazonia.com/Amazonia/0,,MUL1027947-16052,00-TERRA+INDIGENA+EM+MT+PERDE+IBIRAPUERAS+COM+DESMATAMENTO.html), e, em um contexto em que relatos de indios isolados são desconsiderados nas proximidades da usina de Jirau (RO), bem como as demandas indígenas são totalmente desconsideradas na construção de Belo Monte (PA), não é de causar estranheza que, em pleno século XXI testemunhemos um descalabro como o que ocorre em Marãiwatsede. Faço votos, sinceramente, que o desfecho em Marãiwatsede seja o de uma retumbante vitória: não apenas dos Auwẽ Xavante de Marãiwatsede, de seus direitos e de sua história mas, sobretudo, a vitória de um Estado democrático de direito.

Marãiwatsede é dos Xavante e não se fala mais disso. Negar isso é cuspir na Constituição, nos Direitos Humanos e no que resta de bom senso neste país.

Atenciosamente,

Prof. Estevão Rafael Fernandes
Antropólogo - Departamento de Ciências Sociais
Universidade Federal de Rondônia

sexta-feira, 15 de julho de 2011

POESIA PARA ANIMAR A LUTA... A RESISTÊNCIA!

“Povo da cidade grande vocês tem que parar para pensar. Refletir e considerar que esse povo que aqui está só quer a natureza preservar.
Natureza tão importante para nós, que no dia que ela se acabar todos nós morrerá.
Eu vim da minha roça que ficou muito longe, para essa reunião participar.
Declarar pra muita gente que o mundo tem que parar para pensar.
Olhar um pouco para nosso futuro para que nossas crianças também possam respirar o oxigênio que vem da floresta.
E também para que os governantes olhem para o pequeno agricultor.
Porque juntando a produção de todos eles já dá uma soma de muito valor.
E também para os governantes olhar para o Índio que é o ser humano que Deus colocou em todo lugar. Porque refletindo no nosso mundo, todos lugares que o homem branco quis habitar já estava o Índio dentro da própria floresta sem agredir ou poluir o ar.”

Lucimar da Silva (Lúcio Poeta) - agricultor da Volta Grande do Xingu.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

COMPARTILHO UM SENTIMENTO AUDIOVISUAL..

Acabei de assistir a este lindo e emocionante documentário À Margem do Xingu: Vozes não consideradas...
Quantas vezes teremos que gritar que este e tantos outros pela Amazônia são projetos de Morte...
Muita indignação...
Ainda hoje pela manhã no lançamento do Relatório do CIMI da Violência contra os Povos Indígenas, constatamos que a cada novo relatório aumenta-se as formas e números de violências...
somos todos e todas vítimas da violência do capital, que desmata, que fere e que mata...
Brevemente os magis da vida, com as intensas mudanças climáticas provocadas pelas queimadas, com o processo intenso de degelo, estarão plantando soja na cordilheira dos Andes...
é tempo de denunciar sempre...
Assim fizemos dia 10 último, na 9a. Romaria da Terra e das Águas de Rondônia, no distrito do Iata, onde foi feito o primeira assentamento de colonos para produzir alimentos para a construção da estrada de ferro madeira mamoré e porto velho... senão tivermos forças suficientes, brevemente tudo ficará embaixo de água, porque assim deseja os capetalistas donos do poder, os "honoráveis bandidos" do setor elétrico e também dos transportes - rodovias e hidrovias... soma-se a eles os do agronegotóxico...
Adelantes guerreiros e guerreiras - hasta la vitória siempre!
iremar

terça-feira, 12 de julho de 2011

MAB E STICCERO EM AUDIÊNCIA NA CASA CIVIL...

Depois de encontro com Dilma, Sticcero e MAB se reúnem com Gilberto Carvalho para cobrar ações nas usinas em Rondônia


12/07/2011
Audiência acontece nesta quarta (13), às 16h, em Brasília
Escrito por: Luiz Carvalho

Após quatro meses dos conflitos que paralisaram a construção da Usina de Jirau e provocaram uma revolta na hidrelétrica de Santo Antônio, ambas em Rondônia, a situação de precarização nas relações trabalhistas ainda predomina nos canteiros de obra, conforme relataram trabalhadores à presidenta Dilma Rousseff.

No último dia 5, ela visitou a usina de Santo Antônio para acionar o dispositivo que desvia as águas do rio Madeira para as comportas da hidrelétrica e atendeu aos pedidos do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil de Rondônia (Sticcero) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para uma audiência.

Durante o encontro, dirigentes das duas entidades entregaram uma carta à presidenta (clique aquipara ler) em que relataram a continuidade dos problemas que levaram à confusão nas obras – parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) –, como o uso da violência por parte das empresas contra os operários. “A Força Nacional tem atuado como segurança do consórcio em Jirau, ao lado da Patrimonial, contratada pela Camargo Correa. Exemplo disso foi que no último dia 13, com apoio da Força Nacional, vários trabalhadores tiveram os pertences confiscados e levados para a delegacia com a alegação de que teriam participado da revolta na usina. Mas, não apresentaram nenhuma prova na audiência com o Ministério Público”, denunciou Altair Donizete, vice-presidente do Sticcero.

Justa causa sem saber
Segundo ele, parte dos operários de outros estados, que foram enviados temporariamente para as regiões de origem pelo Consórcio Energia Sustentável, controlado pela Camargo Correa e pela francesa GDF Suez, responsáveis pela construção de Jirau, estão sendo demitidos por justa causa. Cerca de 6 mil já foram dispensados.. Além disso, muitos outros têm se descolado para Porto Velho, capital de Rondônia, com recursos próprios. “Temos mais de 30 ações na Justiça denunciando isso. Alguns sequer sabem que foram demitidos enquanto estavam em casa. Desde os conflitos, a relação com as empresas retrocedeu e aumentou a dificuldade para ter acesso ao canteiro de obras”, avaliou.

Durante a conversa com Dilma, Donizete citou outros problemas como a existência de trabalhadores sem carteira assinada em canteiros e terceirizadas do Consórcio Energia Sustentável que se recusam a cumprir o acordo coletivo e dificultam o acesso do sindicato aos operários. O representante do Sticcero também cobrou maior empenho do governo em acompanhar a fiscalização das obras. “Não há um número suficiente de fiscais, por isso é fundamental que o governo aumente o efetivo”, indica.

O MAB também alertou Dilma sobre a situação dois ribeirinhos na região. Conforme aponta Cazu Shikasho, coordenador estadual do movimento, o assentamento de Nova Mutum, para onde foram levadas as famílias do município de Velha Mutum, atingidas pela barragem de Jirau, não corresponde à necessidade das pessoas. “As famílias permanecem sem terra para produzir e o subsídio que a empresa pagava terminou neste mês. Muitos tiveram que pagar contas de água de até R$ 150, ao contrário do que acontecia antes, quando utilizam os recursos naturais dos rios”, conta.

Ele conta ter ouvido também de diversos moradores a preocupação com o fim das obras no entorno da usina. Muitos acreditam, destaca Shikasho, que o lugar se transformará em uma imensa favela a céu aberto, quando os diretores e encarregados do consórcio deixarem o lugar.

Conversa dura –Diante das denúncias, a presidenta Dilma Rousseff encarregou o Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, de visitar os canteiros e fazer uma conversa “memorável”, conforme classificou, com os consórcios.

Paralelamente, o diálogo com os movimentos sociais será mantido e o próximo encontro acontece nesta quarta-feira (13), às 16h, no Palácio do Planalto.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

VOZES DO XINGÚ...

GOVERNO BRASILEIRO: DESMANDOS E OPRESSÃO NA AMAZÔNIA
por Dion Marcio C. Monteiro (*)


“O rio Xingu vai virar um rio de sangue”. Esta frase, constante de um comunicado enviado ao ex-presidente Lula da Silva, em dezembro de 2009, assinado por diversos povos indígenas da Bacia do Xingu, e de outras regiões, mais do que um presságio foi um apelo ao bom senso de Brasília, pedindo que a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte não seja construída. Como resposta o governo federal emitiu, em fevereiro de 2010, a Licença Prévia nº 342/2010 de Belo Monte.
No final de novembro de 2009, um mês antes do comunicado indígena, os analistas ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), avaliando o processo de licenciamento de Belo Monte, apontaram no Parecer Técnico nº114/2009 o seguinte: “tendo em vista o prazo estipulado pela Presidência [do IBAMA], esta equipe não concluiu sua analise a contento. Algumas questões não puderam ser analisadas na profundidade apropriada, dentre elas as questões indígenas e as contribuições das audiências públicas”.
No parecer 114/2009 os analistas também destacaram a existência de um dimensionamento insuficiente dos impactos decorrentes do afluxo populacional para a região, tendo como conseqüência a proposição de medidas inadequadas visando à preparação local, além de uma indefinição sobre o papel de cada um dos agentes públicos na implementação das ações necessárias. Outro elemento apresentado neste parecer se refere a um elevado grau de incerteza em relação ao prognóstico da qualidade da água, em especial no reservatório dos canais da hidrelétrica.
Por fim, foi observado que “o estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR [Trecho de Vazão Reduzida]”.
Tanto o Parecer Técnico nº06/2010, quanto a Nota Técnica nº04/2010, ambos emitidos no mês de janeiro/2010, reforçaram e confirmaram as pendências em relação à avaliação ambiental de Belo Monte. Porém, mesmo sendo os pareceres e notas técnicas peças fundamentais no processo de licenciamento, o governo simplesmente os ignorou, e concedeu a Licença Prévia no mês seguinte, como anteriormente observado.
Tal como fez com os técnicos do IBAMA, o governo federal também ignorou o parecer dos técnicos da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que consultados sobre a emissão da Licença de Instalação (LI) de Belo Monte, afirmaram, através da Informação nº565 de novembro de 2010, que “devido aos atrasos, aparente falta de priorização no cumprimento das condicionantes, incluindo aí aquelas que foram eleitas como prioritárias, não existem elementos técnicos para um posicionamento da FUNAI em relação à solicitação de LI de obras iniciais. Em relação à LI “total”, a FUNAI só poderá se manifestar tecnicamente após o cumprimento integral e irrestrito de todas as condicionantes do empreendedor, além da aprovação do PBA [Projeto Básico Ambiental] do componente indígena”.
Na Informação nº22, de janeiro de 2011, os técnicos da FUNAI afirmaram que “Segundo informações da Frente de Proteção do Médio Xingu, não há o cumprimento das obrigações da NESA [Norte Energia S.A.] na região”. Afirmaram ainda que “As atividades de segurança alimentar e etnodesenvolvimento tem causado mais impactos na região (…). Essa ação da NESA tem, inclusive, estimulado a presença dos índios na cidade de Altamira, saindo de suas aldeias”.
Nesta mesma Informação os técnicos disseram que “Não foi executada praticamente nenhuma ação de fortalecimento institucional, sendo que a Funai local tem, sistematicamente desviado suas funções principais – Frente de Proteção – para atendimento das demandas criadas pela presença da NESA na região”. Quanto às ações desenvolvidas pela Norte Energia, o parecer dos analistas disse que “Não há ainda equipe do empreendedor para tratar especificamente da questão indígena, nem mesmo a criação, dentro da NESA, de instância específica para acompanhamento do componente indígena”.
Os servidores da FUNAI alertaram que “A simples assinatura do Termo de Compromisso não garante que ações efetivas e estruturantes para as comunidades estão sendo executadas”. Concluindo que “não houve, desde setembro de 2009, (…), ou desde março de 2010, (…), ações efetivas e estruturantes para as comunidades indígenas”. Nesse período apenas “Foram executadas ações preparatórias e ações paliativas, que em alguns casos tem se mostrado mais impactantes e nocivas do que a situação que havia anteriormente”.
Avançando nestas reflexões observaram que “não houve nenhuma ação significativa para as comunidades indígenas, em especial para a TI Paquiçamba. Ou seja, ainda restam condicionantes e ações emergenciais cujo objetivo era a preparação da região para o empreendimento, cujo não atendimento, caso o IBAMA emita a Licença de Instalação de Obras Iniciais, compromete claramente a segurança da condução do processo e da integridade das comunidades indígenas na região”.
Finalizando a Informação nº22/2011, os técnicos explicitaram que “uma vez que as condicionantes indígenas ainda não apresentaram resultados concretos positivos para as comunidades indígenas, não recomendamos que a Funai manifeste-se favoravelmente à emissão de qualquer licença de instalação”.
A resposta da presidência da FUNAI, constante do Ofício nº13/GAB-FUNAI de janeiro de 2011, foi “A Funai não tem óbice para a emissão da Licença de Instalação – LI das obras iniciais do canteiro de obras da UHE Belo Monte, considerando a garantia de cumprimento das condicionantes”. Sustentado por esta manifestação, o governo federal emitiu imediatamente a Licença de Instalação parcial nº770, de 01/2011.
Aos técnicos e servidores do IBAMA e da FUNAI, que exerceram suas atividades com seriedade e honradez, recusando-se a servir a interesses escusos de superiores hierárquicos, restou demissão, coação, assédio moral e remanejamento para outras áreas onde não “atrapalhassem” os planos já traçados no conluio firmado entre presidentes da república, donos de empreiteiras, mineradoras, e outras empresas nacionais e transnacionais.
Em meio a tantos desmandos e opressão, nunca é demais lembrar que Belo Monte, caso seja construída, vai entregar no mínimo R$30 bilhões para as empreiteiras e amigos do governo federal, sendo que a maior parte deste recurso vai ser retirada da saúde, educação, segurança pública, habitação, saneamento, etc.; vai expulsar mais de 40 mil pessoas de suas casas e de suas terras, até hoje não foi informado para onde elas irão; vai secar um trecho de 100 km da Volta Grande do Rio Xingu, acabando com toda a biodiversidade local; não vai gerar energia para a população da Amazônia, nem diminuir o valor da conta de quem já tem luz em casa, pois 80% de sua energia será para as indústrias do centro-sul do Brasil, e 20% para empresas como VALE, ALCOA, ALBRAS e ALUNORTE.
Belo Monte vai atingir a aldeia indígena Paquiçamba, Arara da Volta Grande, Juruna do Quilômetro 17 e Trincheira Bacajá, direta ou indiretamente mais de 15 mil indígenas sofrerão as conseqüências das barragens construídas no rio Xingu; vai impactar 11 municípios, totalizando uma população de mais de 360 mil pessoas, porém somente foram realizadas audiências públicas em 03 desses municípios; vai gerar, em média, somente 39% de sua capacidade máxima de produção de energia, e os técnicos informam que é necessário produzir no mínimo 55% para que uma usina seja viável economicamente; vai ser construída com recursos públicos, pois o BNDES vai financiar 80% da obra, cobrando juros de 4% a.a, com 05 anos de carência e 25 de amortização. Quem construir Belo Monte terá 75% de desconto na sua declaração de Imposto de Renda.
Belo monte vai elevar as taxas de desemprego, aumentando as dificuldades e o caos social na região. O próprio EIA/RIMA do governo, documento elaborado em parceria com as empreiteiras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Norberto Odebrecht, informa que 100 mil pessoas migrarão para Altamira, e que no pico da obra, durante dois anos, serão gerados 18 mil empregos diretos e 23 mil indiretos, ou seja, um pouco de mais de 40 mil empregos. Conclusão, 60 mil pessoas que migrarão para a região não terão emprego em nenhum momento, juntando-se aos milhares de desempregados que já se encontram no local.
Como as condicionantes definidas na Licença Prévia 342/2010 não foram cumpridas até hoje, o deslocamento de aproximadamente 20 mil trabalhadores, que já chegaram a Altamira, tem causado graves problemas, expressos na elevação dos índices de criminalidade, assaltos, arrombamentos e outros delitos; trânsito intenso, com aumento na quantidade de atropelamentos e colisões entre veículos; e pressão sobre os serviços de saúde pública, que mesmo antes não conseguiam atender a demanda.
Outro problema verificado é a alta nos preços dos alugueis de prédios comerciais e residenciais, causando o fechamento de pequenos empreendimentos locais (que não conseguem mais pagar o que está sendo cobrado), além de fazer florescer um grupo social ainda desconhecido na região, os Sem-Teto urbanos. Recentemente um grupo com quase 300 famílias ocupou dois terrenos na periferia da cidade, sendo violentamente despejados pela polícia militar, mesmo não havendo mandado judicial. Também vinculado a este fator observa-se uma grande pressão ambiental na cidade, com aumento no desmatamento de áreas que ficam nos arredores de Altamira, isto para a construção de pequenos barracos, caracterizando novos “bairros”, sem nenhuma estrutura urbana. É o desenvolvimento chegando.
Segundo os dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) o município de Altamira foi o campeão de desmatamento na Amazônia no mês de maio de 2011, desmatando 22 quilômetros quadrados de floresta, o dobro do registrado nesta cidade em abril. Os técnicos deste Instituto avaliam que uma das explicações é a expectativa sobre a construção da UHE Belo Monte. A mesma coisa aconteceu com Porto Velho, em Rondônia, que ficou em segundo lugar entre os maiores desmatadores do mês de maio. Não coincidentemente é em Porto Velho que estão sendo construídas as Hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau.
Professores, juristas e pesquisadores das mais renomadas universidades e associações científicas têm afirmado que a UHE Belo Monte não tem viabilidade econômica, social, ambiental, cultural, política, e nem mesmo Jurídica. Mesmo assim o governo federal insiste em construir esta hidrelétrica.
Aos povos do Xingu só resta resistir. Lutar até o ultimo suspiro pela vida dos rios, da floresta, pelas suas próprias vidas, de seus pais, de seus filhos. Indígenas, pescadores, ribeirinhos, camponeses, quilombolas, extrativistas, povos do campo e da cidade vão continuar se contrapondo a este projeto de destruição e morte, implementado pelo grande capital e seus aliados. O rio Xingu pode virar um rio de sangue, e o governo brasileiro será o único responsável.

Dion Marcio C. Monteiro – Economista do Instituto Amazônia Solidária e sustentável (IAMAS), Mestre em Planejamento do Desenvolvimento (NAEA/UFPA), componente do Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA), e do Movimento Xingu Vivo – Comitê Metropolitano.