terça-feira, 26 de maio de 2020

DEIXA SEMPRE UM POUCO DE PERFUME...


A DOR DA PARTIDA DISTANTE

COMO É DOLORIDO SABER DA PARTIDA DE MAIS UMA PESSOA LEVADA PELA COVID 19.
O PARENTE INDÍGENA, O DO CENTRO URBANO, DO ARTISTA, DO POETA, DO CANTOR E DO SEM NOME, SEM TETO, SEM TERRA E DOS SEM ESPERANÇAS...
COMO É DOLORIDO VER AS NOTÍCIAS DIÁRIAS NÃO SÓ DO BRASIL, MAS DA ÁFRICA, DA ÁSIA, DA ÍNDIA, DA EUROPA, DA AMÉRICA DO NORTE, DA AMÉRICA CENTRAL E DO SUL COM MILHARES DE MORTOS...PARECE QUE A GLOBALIZAÇÃO SE OCUPOU DE DISTRIBUIR O VÍRUS, O INIMIGO INVISÍVEL, AS MORTES...
COMO É DOLORIDO ASSISTIR À DOR DAS MÃES E PAIS DO EQUADOR, DOS MORADORES DE GUAYAQUIL SEM SEQUER TER COMO TIRAR OS CORPOS DE DENTRO DE CASA, QUEM DIRÁ LHE DAR UM SEPULTAMENTO DIGNO...ALGUNS QUEIMADOS NO MEIO DA RUA...SERÁ DESUMANIDADE OU HUMANIDADE SEQUESTRADA PELO CAOS...
COMO É DOLORIDO SABER QUE OS YANOMAMI ALÉM DE NÃO PODEREM VER O CORPO DO JOVEM VÍTIMA DO CORONAVÍRUS, TAMBÉM NÃO PUDERAM FAZER O RITUAL DE PASSAGEM...SEU ESPÍRITO SOFRE E SOFRERÃO TAMBÉM OS QUE FICARAM...O ENCANTAMENTO NÃO TEM ESPAÇO EM TEMPO DE PANDEMIA...
COMO É DOLORIDO VER OS PARENTES MURA, KOKAMA, SATERÉ, ENTRE OUTROS, SEQUER SEREM RECONHECIDOS NOS DADOS OFICIAIS COMO INDÍGENAS VÍTIMAS DA PANDEMIA, JÁ QUE O APAGAMENTO “OFICIAL” DA IDENTIDADE E DA MEMÓRIA PARECE SER ESTRATÉGIA DE ETNOCÍDIO E DE GENOCÍDIO...
COMO É DOLORIDO A PARTIDA DE UM ENTE-QUERIDO SEM SEQUER PODER DAR UM ABRAÇO, COM MEDO DA CONTAMINAÇÃO, PELA PROIBIÇÃO, PELA DESUMANIZAÇÃO DO DIREITO À VIDA, A UM SISTEMA PÚBLICO DIGNO DE SAÚDE E NÃO DE MORTE...
COMO É DOLORIDO ASSISTIR ÀS FAMÍLIAS DESESPERADAS TENTANDO NA MARRA ABRIR CAIXÕES EM MANAUS PARA SABER SE DE FATO É PARENTE SEU QUE ALI ESTÁ SENDO SEPULTADO, MESMO SE EXPONDO AO VÍRUS MORTAL, MAS TENTANDO SE DESPEDIR ANTES QUE A VALA COMUM SE FECHE E TENTE SEPULTAR O SOFRIMENTO DE UMA FAMÍLIA...
COMO É DOLORIDO SABER QUE O ARTISTA NÃO AGUENTOU E SE ENFORCOU, TALVEZ POR MEDO DA ESCURIDÃO DA MORTE OU DO MOVIMENTO EM CURSO NO PAÍS...
COMO DÓI VER O SISTEMA SE ALIMENTANDO DA MORTE, AUMENTANDO O LUCRO DOS BANCOS, DAS EMPRESAS, COM OS EMPRÉSTIMOS, AS VENDAS E AS COMPRAS SUPERFATURADAS SÓ COM TOMADAS DE PREÇOS...
COMO DÓI A DESESPERANÇA NO FUTURO...ESSE FUTURO PODERÁ SER PIOR QUE O PRESENTE...PODERÁ TAMBÉM SER SINAL DE ESPERANÇA, DE NOVO...ENTRETANTO, ESSE NOVO NÃO PODE SER QUENTINHA REQUENTADA DO ONTEM...
COMO DÓI A INCERTEZA DA MUDANÇA PRA MELHOR...VIVEMOS A DOR DA PARTIDA DISTANTE, ALIMENTADA PELOS CONTATOS REMOTOS...
COMO DÓI A PARTIDA DE CADA IDOSO E IDOSA DOS BEIRADÕES AMAZONICOS...É COMO UMA ÁRVORE QUE TOMBA CORTADA PELA CORRENTE AFIADA DE UMA MOTOSERRA IMPIEDOSA...

O QUE ME ALIVIA É A ESPERANÇA DE QUE OUTROS TAMBÉM ESTÃO INCOMODADOS!

Iremar Ferreira, 06 de maio de 2020.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

MEMÓRIAS DA MÃE NATUREZA


MEMÓRIAS DA MÃE NATUREZA



Certo dia, na beira do barranco de um dos rios formosos da Amazônia, ocorreu um inusitado encontro. Um grupo de pessoas, denominados de ribeirinhos olhavam para as águas que passavam carregando troncos, galhos, folhas, barro, areia entre tantos outros componentes da natureza e conversavam sem preocupação com o tempo do relógio. No grupo homens e mulheres, cada qual com suas marcas do tempo no rosto, nas mãos e nos pés e com muita história pra contar histórias que nos ensinam a pensar o simples e o complexo da vida. Assim começo a narrar o rumo desta proza.

Dona Maria, que parecia ser das mulheres presentes, a mais desinibida, olha ao longe e principia o diálogo:
Cuma tão já parentada, ainda ontem a noite ouvindo meu radinho, escutei uma música que me deixou pensativa. A cantora, que num sei o nome, começou assim a canção até longa, mas muito bonita e triste: “Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta. Mata verde, céu azul, a mais imensa floresta. No fundo d'água as Iaras, caboclo, lendas e mágoas e os rios puxando as águas. Papagaios, periquitos, cuidavam de suas cores. Os peixes singrando os rios, curumins cheios de amores. Sorria o jurupari, uirapuru, seu porvir. Era fauna, flora, frutos e flores...”. Quando ela terminou meus olhos estavam cheios d’água. A saudade bateu muito forte, lá no fundo...

Dona Antônia que estava sentada ao seu lado comovida pergunta: Atiéche cumadi, porque tão já?

Dona Maria continuou: Mi alembro de minha infância. Nasci num lugar que era muito lindo. Tinha um lago maravilhoso, era chamado de Lago do Cará, bem no interior do Amazonas. Cará era um tipo de peixinho que tinha lá, que quando meu pai pescava, minha mãe cozinhava em caldo, assava ou fritava e com farinha, meu Deus que gostuso!... e tinha outros tipos de peixes também: jatuarana, matrinxã, branquinha...vixi maria! Muitas qualidades e tamanhos. E nesse lago era rodeado por grandes castanheiras, açaizeiros, buritizeiros, babaçuais, abacabeiras...tanta fruta, tanta fartura!... Mas, nós tivemos que sair de lá com o tempo. A família foi crescendo, foi crescendo. Como era longe e tinha poucas pessoas, lá num tinha escola, nem posto de saúde, nada disso. Minha mãe e meu pai se preocupava com nóis, um monte de filhos. Ai decidiram sair do Lago do Cará e procurar outro lugar com mais benefício. Colocou tudo no batelãozinho e saímos em busca de outra colocação onde tivesse melhores condições. Ai paramos aqui...Eu deixei tudo aquilo pra trás...

Dona Antônia entra na história de Maria e vai dizendo:
Manazinha, como nossas histórias se parecem. Eu vim do paranã (rio) Marmelos. Lá num era lago, mas tinha muita riqueza. Cada peixão que meu pai flechava... e quando ia caçar o que ele queria, ou que mamãe pedia, ele flechava e trazia para nossa maloca, nosso tapiri. Era muita fartura e a gente tinha muita saúde, porque vinho de tudo tipo de fruta nóis fazia: vinho de açaí, abacaba, murici, patoá, bacuri e tantos outros...que delícia, só de alembrar me deu vontade. Mas, também tinha as dificuldades, né. Com o tempo a tal da maleita (malária) foi chegando e nossas ervas medicinais não davam conta de nos curar e o jeito foi sair de lá e ir em busca de recursos, vindo parar aqui. Aqui é bão sabe, eu gosto daqui, mas na beira de um rio grande como esse é mais difícil...é como se não fosse nosso esse local, não é onde nosso umbigo está enterrado né...

Senhor Quevedo, homem alto, quieto na maioria das vezes, assoava o nariz, como que pedindo a palavra e no silêncio dos demais tira o chapéu e relata.
Eu vim de muito longe também. Vim do Alto Rio Solimões, onde ele é conhecido por Amazonas, em território colombiano. Lá onde nasci e cresci também era muito rico de tudo. Nossa vida era muito boa e com muita fartura. Mas começou crescer a cidade de Manaus no período da Zona Franca e muita gente saiu dos interiores e foram pra lá em busca de nem sei o quê. A maioria passou a viver do jeito que deus dá... poucos conseguiram empregos nas indústrias que foram nascendo e crescendo...Eu jovem, sem estudo nem nada, falando castelhano enrolado com português, fiquei rodado e resolvi seguir o caminho das águas. Mas, ao invés de subir o rio de volta eu decidi descer e ir em busca de sossego. Daí vim parar aqui e aqui criei meus filhos, com toda dificuldade encontrada. Mas, lembro que antes era muito diferente aqui também...hoje tá muito mudado!

Dona Burarei aperta o lenço na cabeça e entra na conversa:
Eu tenho saudades do meu tempo de criança! Nasci lá pras bandas de Santarém, na beira do Tapajós. Lembro como se fosse hoje manuzinhos... Nóis era muitos na comunidade, mais muitos mermo! Ai veio uma doença, tal de beribéri e matou quase todo mundo. Alguns pra num morrer fugiu de lá pra dentro da mata e meu pai foi um desses, nos levando pra bem longe. Nossa aldeia quase foi dizimada. Nossa vida longe da antiga vila foi a melhor coisa que existiu, porque lá dentro da mata nóis tinha tudo que a floresta dava...era uma riqueza só, cheio de vida, de saúde... Depois tive família, o grupo foi crescendo e ai aos poucos fomos tomando rumos e eu vim de barco com minha família parar aqui...eu me sinto feliz aqui, com todas as dificuldades...

Senhor Pindoba que estava só ouvindo entra no papo e em tom baixo, emocionado principia a fala:
Eu tava lembrando da música que a dona Maria falou... Eu, diferente de oceis, nasci, cresci e me criei aqui nesse lugar. Eu chamo aqui de Porto das Esperanças, um nome muito bonito, assim como era este lugar a muito tempo atrás. Assim como onde oceis morava, aqui era farto de tudo, de caça, de frutos, de produção, de peixes... mas ai, como oceis percebem, além de nós, tem muitas outras pessoas que vão chegando sem nossa permissão e entrando nos lagos, na floresta e eles vão levando tudo que pegam ou caçam, com isso tá tudo escasso... nem palmito tem mais e os lagos muito batidos de pescadores estão sem peixes... até pra nós se alimentar tá difícil! Estão desmatando tudo ai pelas fundiárias para plantar capim...nem as castanheiras eles deixam..! Como vai ser se continuar assim! Como ficará a situação de nossos netos, bisnetos, tataranetos e assim por diante? Vamos deixar que os de fora acabem com tudo e nós não vamos fazer nada?

Todos se sentiram provocados por suas palavras. Dona Maria se adianta dá sua sugestão:
Eu penso que se nós temos direito a viver aqui na Porto das Esperanças, tudo que tem aqui: os lagos, floresta, rios, peixes também tem direito! Porque se eles desaparecem nós também vamos desaparecer, nós vamos morrer juntos. Porque um lago sem peixe ele não tem vida, é água morta... a floresta sem animais, sem frutos, sem pássaros é sem vida também... e nós sem tudo isso também vamos ficar doentes e vamos morrer. Não dá pra ficar de braços cruzados.

Dona Burarei emenda:
Eu também tô de acordo com oceis...já tive que fugir de doenças e de novo não dá, porque tá tudo ocupado já pelos que só querem matar com fogo a floresta... tem rios entupidos de árvores que eles derrubam pra plantar capim e coloca uns bichos que chamam de boi e vaca...como pode isso, acabar com o lugar do caititú, da anta, da paca, da onça, da cutia, do gato do mato, da jaguatirica pra colocar só boi e vaca! Isso não é justo... e pior com os igarapés entupidos vem a maleita que chega até nóis e pode nos matar. Vamos fazer alguma coisa, alguém tem que nos ajudar, nossa casa corre perigo e não tem mais pra onde fugir pra se esconder!

Senhor Quevedo levanta o chapéu e fala:
Desse jeito só por Deus! Estamos perdidos, porque esses que destroem só pensam em fazer dinheiro com tudo e não pensam em nóis.

Seu Pindoba fica em pé e aponta pro rumo da cidade grande e diz:
Nós vamos em busca de ajuda. Sozinhos podemos ser pequenos diante de tantas ameaças que estamos sentindo e sofrendo. Temos que nos organizar pra buscar ajuda. Vamos mandar uma carta pras autoridades pra que venham aqui nos escutar sobre essa situação. Quero saber quem sabe escrevinhar palavras no papel pra gente mandar pelo barco do Caçote?

Dona Maria se propõe a escrever, mas fica na dúvida e pergunta:
Sim, vamos mandar a carta pra quem, se todos eles vivem longe daqui e não estão nem ai pra nossa vida? Será que não será perda de tempo?

Dona Borarei levanta o dedo e fala:
Acho que não é bem assim genti...se nóis temos esse sentimento de amor pelo lugar que nóis vivemos, deve ter alguém lá na cidadi que podi pensar como nóis!

Seu Pindoba toma a palavra:
Ouvi dizer da urtima veiz que fui a cidade, que tem um lugar da justiça que é pra defender as comunidades, então vamos levar pra eles nossa carta, um tal de Ministério Público Federal... Então vamos mandar pra eles...

Dona Maria a escrivinhadeira com lápis e caderno na mão propõe a começar a carta, o que foi concordado com todos. Após um tempo de concentração ela lê para os demais pra ver se concordam.

“As artoridades do Ministério Público Federau.
Nóis vivemos bem longe de oceis. Vivemos na comunidade que nóis chama de Porto das Esperanças, na beira do rio Madeira. Faz tempo que a genti mora aqui. Aqui era muito rico de tudo. Mas agora tá tudo escasso. Aos poucos tá acabando nosso modo de vida, porque ao redor tá cheio de derrubada e até nosso rio tá diferente... quando a genti bebi água dele, dá dor de barriga... antes não era assim!
Nóis não queremos que nosso lugar se acabe, nem que acabem com nosso lugar, com nossos igarapés, lagos, floresta, peixes, caça...
Nóis queremos continuar vivendo aqui e criar nossos netos, bisnetos, tataranetos para que todos tenham vida sadia.
Se nóis queremos ter direito a vida sadia, queremos que a natureza que nos protege e alimenta também tenha vida, tenham direitos iguais.
Queremos que as autoridades nos ajudem a defender nossa comunidade, nosso modo de vida e nossa fonte de vida, a natureza que nos sustenta, que nos alimenta!
Obrigado por nos atender e nos defender.
Aqui ficamos na espera da vinda de oceis pra nos escuitar e fazer no papel uma lei que nos proteja e garanta os direitos da nossa mãe natureza...”

Ao terminar de ler, todos estavam emocionados por verem no papel em letras desenhadas o desejo deles. Agradecem a dona Maria pela carta e senhor Pindoba avisa que assim que o barco subir ele vai acenar e entregar pro comandante a Carta de Porto das Esperanças, para que chegue até as autoridades do Ministério Público Federal, na capital de alguma cidade da Amazônia.

Assim se deu esta parte da memória narrada de pessoas, dum lugar distante, sem importância para o capital, mas que com uma pequena atitude, geraram um grande gesto de amor à Vida, à Mãe Terra.


Narrador: Iremar Antonio Ferreira, 20 de maio de 2020 (reflexão em tempos de reclusão)

domingo, 3 de maio de 2020

AMAZÔNIA, MANAUS, EPIDEMIA...


MANAUS: ENTRE LÁGRIMAS E TRISTEZAS




Manaus...
Abro noticiário e não tenho como não me emocionar neste dia 03 de maio de 2020.

Me passa na memória um punhado de gente conhecida à décadas, amigos, amigas, parentes, aliados e parceiros que ali vivem...

A preocupação aumenta a cada nova notícia...


As recordações de tempos idos no início dos anos 90 quando ai passei temporadas para estudar me saltam às lembranças...

O jeito alegre deste povo que acorda cedinho e pelas ruas nos bares abertos a cerveja já está na mesa de pessoas que começam o dia curtindo a vida...outros ainda com um refrigerante baré, de guaraná oriundo das terras Sateré Mawé.

O calor as 07 da manhã convida pra sair da cidade em busca de um igarapé de águas pretas na estrada de Itacoatiara ou na Ponta Negra quando ainda era possível banhar, antes da chegada dos grandes prédios, dos complexos habitacionais dos ricos, acabando com o espaço de diversão dos pobres...o rio Negro, agora privatizado.

O caminhar da Praça 14 até o antigo Cenesc, na Constantino Neri era de suar. Mas algumas mangueiras ofereciam sombras pra descansar, respirar, parar pra chupar um picolé, tomar uma água e seguir caminhando, pois a liberdade dos passos fazia o caminho ficar curto.

As atividades de campo pela cidade antiga, na região da igreja dos Pretos, nas proximidades do Mercado Popular ou Municipal, nos permitia respirar a cultura ribeirinha efervescente com o vaivém dos barcos lotados para tantos lugares, que ligavam Manaus à Colombia pelo rio Solimões ou pelo rio Negro, bem como a Belém do Pará, passando pela foz do rio Tapajós até bater no mar.

A beira rio de Manaus parecia um formigueiro humano...que se misturava as caixas, sacas, animais e produtos diversos, numa simbiose de corpos formando esse ser beiradeiro, ribeirinho indígena, cabano, migrantes, turistas...

Já adentrando a cidade, rumo aos bairros periféricos, num ônibus apertado era possível sentir a vida sofrida deste povo trabalhador que se amontoava tal qual sardinha enlatada. Era na ída e na volta do trabalho, do passeio, dos estudos...sempre amontoado, suando muito...as vias asfaltadas superquentes se expandiam para longe do centro e os primeiros elevados começavam a surgir para melhorar o tráfego intenso e crescente ano-pós-ano.

Em tempos de carnaval, forró, folia, a cidade enchia de tal forma que parece não sobrar espaço pro povo local...quem podia fugia pros banhos, pros retiros, pros lagos e igarapés. Já no centro da cidade ou nos espaços reservados, as folias animavam a cidade da zona franca, que motivava os viajantes a voltarem com cargas e mais cargas de compras com menos impostos... mas, o povo local continuava com menos investimento em saúde, educação e outros mais.

Essa euforía parecia remeter ao ciclo do látex, dos barões da borracha, que impulsionou a construção e movimentação do Teatro Amazonas, com gringos e gringas e pelos novos ricos da eterna Manaós por suas ruas, becos e vielas. Mas, era o ciclo das industrias do parque industrial e da zona franca, das obras de gasoduto, de termoelétrica, rodovia se conectando a Roraima e Venezuela. Parece que o índice de desenvolvimento humano estava tão bom que Manaus atraia milhares de pessoas da vilas, cidades e comunidades para seu centro. Parecia ter emprego para todos e com isso quase todos para lá foram... a grande aldeia se tornou muito maior...um caldeirão de culturas se constituiu à margem das promessas de campanhas eleitoreiras. Assim, sucatearam os serviços públicos principalmente na área de saúde, um modelo copiado para as metrópoles, em atrair investimentos privados em detrimento do público, favorecendo os compadrios políticos ao invés das políticas de saúde pública.

Até que uma epidemia tomou corpo na China, bem distante daqui. Mas, não tardou para aportar em terras amazônidas e promovendo a maior crise humanitária de saúde pública já vivido na região e no planeta. Os serviços públicos de saúde nunca atenderam a população concentrada de mais de 2 milhões e quinhentos mil habitantes. Agora se vê na maior encruzilhada, tendo que decidir quem vive ou morre dentro das unidades de saúde...já centenas de famílias sequer conseguem ter atendimento para familiares doentes...

Manaus está triste, está chorando a cada novo dia quando se anuncia mais umas dezenas de mortos...alguns tentam defender o isolamento social como condição fundamental para evitar propalação do vírus, mas, a maioria da população, por não enxergar a curto prazo os efeitos, continuam a tocar suas vidas “la belle époque”, propiciando a maior contaminação com mortes já tida na cidade em curto espaço de tempo...

Famílias, à la moradores de Guayaquil no Equador, não conseguem se quer apoio para translado e sepultamento digno para seus parentes. As valas comuns identificam os mortos sem diagnósticos à tempo pelo sistema falido de saúde pública no Brasil, cujo presidente é o maior responsável por tudo isso, somado com os milhares de seguidores do mesmo, que sem escrúpulos atacam pesquisadores e pessoas da saúde, tentando emplacar o discurso de que é só “uma gripezinha”.

Manaus vive hoje entre lágrimas e tristezas, somando-se às dúvidas de “quando será que isso vai passar!”. Quantos ainda perderão suas vidas até que a curva baixe e com ela leve principalmente os pobres, já que os ricos conseguem UTIs e testes, o que para os demais só mesmo por milagre. Quantos indígenas, colocados na condição de indigentes no sistema oficial de registro; quantos ribeirinhos, cabanos, pescadores, extrativista e trabalhadores e trabalhadoras urbanas e rurais, subnotificados serão necessários morrer para que as autoridades políticas e jurídicas tomem medidas emergenciais em defesa e proteção da Vida acima do lucro das empresas?

Entre lágrimas e tristezas, olho de longe com o coração bem perto e sentindo as dores das famílias e das que trabalham tentando salvar vidas, contando com milagres, já que condições reais para isso é quase nula, e sinto que só a solidariedade poderá salvar as pessoas em Manaus. Esta solidariedade passa por cuidar do outro e da outra se cuidando, se isolando na medida do possível, atuando em rede para viabilizar alimentos e materiais de higiene e limpeza para os que não tem de onde tirar, já que a fila da "Caixa Econômica" se tornou o maior foco de contaminação coletiva.

Entre lágrimas e tristezas olho para Porto Velho e vejo o mesmo percurso traçado e quase nada sendo feito para mudar esta história...até quando...


por: Iremar A. Ferreira

sexta-feira, 1 de maio de 2020

REVOGAÇÃO DA INSTRUÇÃO NORMATIVA JÁ !


ARCA
ARTICULAÇÃO PELA CONVIVÊNCIA COM A AMAZÔNIA
E
COMITÊ DEFENSOR DA VIDA AMAZÔNICA NA BACIA DO RIO MADEIRA – NÚCLEO REGIONAL DO FMCJS-RO


Carta Aberta conjunta à população brasileira e internacional em defesa dos direitos originários dos povos indígenas e exigindo urgência na revogação da Instrução Normativa n°. 09 de 22 de Abril de 2020\FUNAI.


Nós entidades articuladas em torno da ARCA – Articulação pela Convivência com a Amazônia e do Comitê Defensor da Vida Amazônica na bacia do rio Madeira, iniciativas em defesa dos direitos da natureza e seus filhos e filhas, contra os projetos de morte, vimos a público por meio desta Carta Aberta, em solidariedade com os Povos Indígenas do Brasil, de modo particular da Amazônia, somando-se a outras declarações já emitidas, externar repúdio e exigir revogação urgente da Instrução Normativa n° 09 de 16 de abril de 2020, publicada no Diário Oficial da União no dia 22 de abril, pelo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Justamente num momento em que o COVID 19 se alastra do litoral à floresta amazônica, deixando um rastro de contaminação e morte, sem ações efetivas e emergenciais do Governo para proteger o bem maior que é a Vida, quando o sistema de saúde está sucateado e sobrecarregado, motivado inclusive pela quebra do isolamento social pelo próprio presidente da República, vem a presidência da FUNAI emitir uma portaria, que “dispõe sobre o requerimento, disciplina e análise para emissão de declaração de reconhecimento de limites em relação a imóveis privados em terras indígenas”.

Isso é mais um crime. Essa portaria é genocida, pois acelera o processo de invasões e assassinatos de lideranças indígenas que lutam incansavelmente pela demarcação, proteção e garantia de seus territórios. Incentiva claramente os interessados em terras indígenas a invadirem ou acionarem na Justiça pelo direito à posse dentro das terras reconhecidas pela Constituição Federal (Art. 231) como de usufruto exclusivo dos povos indígenas, cabendo a União demarcar e proteger.
Em Rondônia, na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau ocorreu no último dia 17 de março o assassinato do professor Ari Uru Eu Wau Wau, numa região de constantes invasões ao seu território. Ali próximo os Karipuna sofrem invasões de seu território com derrubadas de florestas, marcação de lotes e ameaças de morte à vida das lideranças.

Na região de transição da Amazônia para o bioma Caatinga, no Maranhão, mais um guardião foi assassinado. Zezico Rodrigues, do povo Guajajara foi encontrado morto a tiros dia 31 de março de 2020, na Terra Indígena (TI) Araribóia, município de Arame (MA).

É inaceitável que diante de tantos conflitos, o atual presidente da FUNAI se ocupe deste papel contrário à sua função constitucional para atender interesses do agronegócio. Enquanto as guardiãs e guardiões usam seus corpos e espíritos para proteger os territórios e seus povos, a instituição faz ao contrário, incentiva e promove o saque, a depredação e a morte de lideranças.

Diante do exposto, nos solidarizamos com a resistência de todos os povos indígenas no Brasil e exigimos a imediata revogação da Instrução Normativa nº 09/2020 da Presidência da Funai. Pelo direito à VIDA, nenhum minuto de silêncio e nenhuma gota a mais de sangue indígena.

Amazônia Brasileira, 30 de abril de 2020

ARTICULAÇÃO PELA CONVIVÊNCIA COM A AMAZÔNIA - ARCA
COMITÊ DEFENSOR DA VIDA AMAZÔNICA NA BACIA DO RIO MADEIRA