domingo, 3 de maio de 2020

AMAZÔNIA, MANAUS, EPIDEMIA...


MANAUS: ENTRE LÁGRIMAS E TRISTEZAS




Manaus...
Abro noticiário e não tenho como não me emocionar neste dia 03 de maio de 2020.

Me passa na memória um punhado de gente conhecida à décadas, amigos, amigas, parentes, aliados e parceiros que ali vivem...

A preocupação aumenta a cada nova notícia...


As recordações de tempos idos no início dos anos 90 quando ai passei temporadas para estudar me saltam às lembranças...

O jeito alegre deste povo que acorda cedinho e pelas ruas nos bares abertos a cerveja já está na mesa de pessoas que começam o dia curtindo a vida...outros ainda com um refrigerante baré, de guaraná oriundo das terras Sateré Mawé.

O calor as 07 da manhã convida pra sair da cidade em busca de um igarapé de águas pretas na estrada de Itacoatiara ou na Ponta Negra quando ainda era possível banhar, antes da chegada dos grandes prédios, dos complexos habitacionais dos ricos, acabando com o espaço de diversão dos pobres...o rio Negro, agora privatizado.

O caminhar da Praça 14 até o antigo Cenesc, na Constantino Neri era de suar. Mas algumas mangueiras ofereciam sombras pra descansar, respirar, parar pra chupar um picolé, tomar uma água e seguir caminhando, pois a liberdade dos passos fazia o caminho ficar curto.

As atividades de campo pela cidade antiga, na região da igreja dos Pretos, nas proximidades do Mercado Popular ou Municipal, nos permitia respirar a cultura ribeirinha efervescente com o vaivém dos barcos lotados para tantos lugares, que ligavam Manaus à Colombia pelo rio Solimões ou pelo rio Negro, bem como a Belém do Pará, passando pela foz do rio Tapajós até bater no mar.

A beira rio de Manaus parecia um formigueiro humano...que se misturava as caixas, sacas, animais e produtos diversos, numa simbiose de corpos formando esse ser beiradeiro, ribeirinho indígena, cabano, migrantes, turistas...

Já adentrando a cidade, rumo aos bairros periféricos, num ônibus apertado era possível sentir a vida sofrida deste povo trabalhador que se amontoava tal qual sardinha enlatada. Era na ída e na volta do trabalho, do passeio, dos estudos...sempre amontoado, suando muito...as vias asfaltadas superquentes se expandiam para longe do centro e os primeiros elevados começavam a surgir para melhorar o tráfego intenso e crescente ano-pós-ano.

Em tempos de carnaval, forró, folia, a cidade enchia de tal forma que parece não sobrar espaço pro povo local...quem podia fugia pros banhos, pros retiros, pros lagos e igarapés. Já no centro da cidade ou nos espaços reservados, as folias animavam a cidade da zona franca, que motivava os viajantes a voltarem com cargas e mais cargas de compras com menos impostos... mas, o povo local continuava com menos investimento em saúde, educação e outros mais.

Essa euforía parecia remeter ao ciclo do látex, dos barões da borracha, que impulsionou a construção e movimentação do Teatro Amazonas, com gringos e gringas e pelos novos ricos da eterna Manaós por suas ruas, becos e vielas. Mas, era o ciclo das industrias do parque industrial e da zona franca, das obras de gasoduto, de termoelétrica, rodovia se conectando a Roraima e Venezuela. Parece que o índice de desenvolvimento humano estava tão bom que Manaus atraia milhares de pessoas da vilas, cidades e comunidades para seu centro. Parecia ter emprego para todos e com isso quase todos para lá foram... a grande aldeia se tornou muito maior...um caldeirão de culturas se constituiu à margem das promessas de campanhas eleitoreiras. Assim, sucatearam os serviços públicos principalmente na área de saúde, um modelo copiado para as metrópoles, em atrair investimentos privados em detrimento do público, favorecendo os compadrios políticos ao invés das políticas de saúde pública.

Até que uma epidemia tomou corpo na China, bem distante daqui. Mas, não tardou para aportar em terras amazônidas e promovendo a maior crise humanitária de saúde pública já vivido na região e no planeta. Os serviços públicos de saúde nunca atenderam a população concentrada de mais de 2 milhões e quinhentos mil habitantes. Agora se vê na maior encruzilhada, tendo que decidir quem vive ou morre dentro das unidades de saúde...já centenas de famílias sequer conseguem ter atendimento para familiares doentes...

Manaus está triste, está chorando a cada novo dia quando se anuncia mais umas dezenas de mortos...alguns tentam defender o isolamento social como condição fundamental para evitar propalação do vírus, mas, a maioria da população, por não enxergar a curto prazo os efeitos, continuam a tocar suas vidas “la belle époque”, propiciando a maior contaminação com mortes já tida na cidade em curto espaço de tempo...

Famílias, à la moradores de Guayaquil no Equador, não conseguem se quer apoio para translado e sepultamento digno para seus parentes. As valas comuns identificam os mortos sem diagnósticos à tempo pelo sistema falido de saúde pública no Brasil, cujo presidente é o maior responsável por tudo isso, somado com os milhares de seguidores do mesmo, que sem escrúpulos atacam pesquisadores e pessoas da saúde, tentando emplacar o discurso de que é só “uma gripezinha”.

Manaus vive hoje entre lágrimas e tristezas, somando-se às dúvidas de “quando será que isso vai passar!”. Quantos ainda perderão suas vidas até que a curva baixe e com ela leve principalmente os pobres, já que os ricos conseguem UTIs e testes, o que para os demais só mesmo por milagre. Quantos indígenas, colocados na condição de indigentes no sistema oficial de registro; quantos ribeirinhos, cabanos, pescadores, extrativista e trabalhadores e trabalhadoras urbanas e rurais, subnotificados serão necessários morrer para que as autoridades políticas e jurídicas tomem medidas emergenciais em defesa e proteção da Vida acima do lucro das empresas?

Entre lágrimas e tristezas, olho de longe com o coração bem perto e sentindo as dores das famílias e das que trabalham tentando salvar vidas, contando com milagres, já que condições reais para isso é quase nula, e sinto que só a solidariedade poderá salvar as pessoas em Manaus. Esta solidariedade passa por cuidar do outro e da outra se cuidando, se isolando na medida do possível, atuando em rede para viabilizar alimentos e materiais de higiene e limpeza para os que não tem de onde tirar, já que a fila da "Caixa Econômica" se tornou o maior foco de contaminação coletiva.

Entre lágrimas e tristezas olho para Porto Velho e vejo o mesmo percurso traçado e quase nada sendo feito para mudar esta história...até quando...


por: Iremar A. Ferreira

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