Povos Indígenas: entre Livros, Ritos e Lágrimas...
Iremar Antonio Ferreira 06/03/2013
A muito mais que quinhentos anos, os invasores, de modo particular os europeus que aqui chegaram, trouxeram em uma mão a cruz e na outra a espada. Iniciava uma longa noite para os povos livres, os povos nativos, os povos indígenas.
Na busca de novas terras para aumentar o poderio econômico, cada nação corria ou navegava por um lado, por uma rota e até se perdiam nelas, em busca de novas terras... Aos poucos foram se deparando com continentes além mar e foram fincando marcações territoriais, com uma mão na cruz e a outra na espada.
A conquista destas novas terras, de modo particular nas Américas, provocaram a dizimação de muitos povos, de milhões de mortos. Como estratégia de dominação, para se servir da mão-de-obra do nativo, usou-se a cruz, o aldeamento em torno da "igreja", reorganizando a vida social, ou melhor desorganizando cultural sociais para facilitar a dominação e a doutrinação, a catequese; o trabalho forçado, ambos aliados da cruz... "Índio" bom era aquele que ia pra catequese (livro), pra missa e pro trabalho no lugar dos missionários. "Índio" ruim era aquele que fugia da missa, que mesmo sabendo que esta ausencia lhe renderia umas chicotadas, preferia o chicote à submissão doutrinária (fugiam dos ritos).
Nota-se que a cruz e a espada se juntaram para um propósito: salvar almas "produtivas", porque as aldeias que se revoltavam contra o peso desta submissão lhes cabiam "guerra santa" pombalina, o que gerou no seio da terra dos rios a grande Cabanagem Amazônica - a revolta dos revoltados da floresta.
Fui buscar esta referência histórica na formação do Brasil e da Amazônia para pensar a política indigenista atual, tanto de governo = empresas: mineradoras, igrejas, madeireiras, ong´s, agências reguladoras, etc.
Remeto-me à Constituição de 1988 (livro), aprovada e garantido alguns direitos sociais dos povos indígenas após muita luta... Ali, apesar de poucas páginas, ficou registrado o reconhecimento das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, entendendo que as terras que estas tradicionalmente ocupam é de usufruto exclusivo das mesmas. Apesar de muito amplo os enunciados dos direitos, foi o que melhor se conquistou.
Mas nas entrelinhas afirma que o subsolo pertence à União, que só em caso extratégico (não havendo este tipo de minério em outra parte) a exploração poderia acontecer mediante aprovação pelo Congresso Nacional, mas não é isso que se está posto na atualidade. Nas mesmas entrelinhas diz que é papel do Estado proteger estas populações e territórios para que não ocorram a dilapidação dos recursos naturais e comprometesse a vida das pessoas e a economia do País (roubo de diamante, madeira)...
Porém, parece que tudo o que escreveram (os não indígenas) sob o direito dos indígenas, agora não vale mais, como que dissessem sociologicamente: "esqueçam tudo o que está escrito na Constituição", que isso não se aplica mais porque os tempos são "mudernos" e os indígenas precisam viver "em rede"; não aquela dos fios de algodão tradicional que demorava meses à fio-por-fio-pra-tecer, mas em rede digital/virtual, no google earth, porque só assim estarão protegidos e vigiados dos inimigos georreferenciados... Mas, os inimigos ainda são reais, que vão pelo chão, rastejando feito cobra grande, derrubando e pondo fogo na floresta, cimento nos rios, tornando o mundo cinza, triste...
O mesmo livro que defende é o mesmo livro que abre as portas das aldeias para as polícias federais combater o inimigo invisível: ausência do "Estado", coberto pela permissão do não permitido, que por não ser "legalizado" é tratado à bala, bomba de efeito i-moral, prisão dos donos tradicionais da mundurukânea, cujo direito se perdeu na falta de diálogo na aplicabilidade das políticas públicas...
É o rito do cumprimento da nova lei, o garimpo vale fora da terra indígena, mas aqui dentro é proibido e por isso toda repressão é aprovada pelos paladinos do palácio... Não se preocupem porque agora na Câmara Federal a Comissão de Direitos Humanos é negociada e possivelmente os que defendem e promovem a catequisação, expurgação e salvamento de almas do século XXI se encarregarão de defender os direitos humanos !?
Quantas lágrimas derramastes Povo Guarani e Kaiowá quando Marçal Tupã´i foi assassinado depois de ter denunciado ao Papa João Paulo II em Manaus (1980), que seu povo sofria de extermínio pela política indigenista nacional militar; nem mesmo denunciando ao "representante de Deus" tamanha barbárie foi evitada pelo Estado.
Marçal é o mesmo que proferiu estas palavras quando perguntado sobre sua língua guarani diante do português: "para nós o português é um quebra galho, o que vale é nossa lingua materna", ele já lutava contra o colonialismo linguístico.
Quantas lágrimas o povo Munduruku no rio Teles Pires derramou pela morte de seu cacique em novembro de 2012 em confronto com agentes da polícia federal, numa política indigenista de governo democrático e popular, com Conselho Nacional de Política Indigenista - CNPI por exemplo.
Quantas lágrimas já derramou o cacique Cizino Karitiana, Cacique Paiô Zoró, Cacique Pedro Arara, Caciqua Hosana Puruborá, pela morte cultural de seus povos causados pela intromissão de igrejas de diversas denominações...
Os livros (leis, normas, dogmas, regulamentações) impõem novos ritos (adaptações, religiões, consumo) provocando lágrimas no coração dos povos indígenas que já não encontram forças e apoio em si e muito menos nos "brancos" para continuarem a sonhar com a liberdade...
A cruz e a espada, a lei e a ordem, o público e o privado, o lucro e o bolo desigual, camuflados ou explícitos seus interesses vigoram, em detrimento dos povos e culturas reconhecidos no papel e negados no chão da aldeia, no chão do acampamento, no chão da periferia ou à margem da rodovia.
Pense-Reflita-Ação!
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