terça-feira, 24 de março de 2020

REFLEXÕES TEATRALIZADA EM TEMPOS DE RECLUSÃO #Amazonia



Reflexões teatralizada em tempos de reclusão

ALERTA GERAL NA AMAZONIA...
TEM VÍRUS VINDO AI...
OS ANIMAIS ESTÃO EM SINTONIA...

Na Amazônia, maior floresta tropical do planeta chegou uma notícia de que um vírus mortal está se espalhando pelo mundo. Os animais foram os primeiros a se reunir para discutir o assunto, pois todos queriam saber sobre o tal vírus e o que estava acontecendo por onde ele está passando.

Bem-te-vi, pássaro atento ao movimento da cidade de Manaus foi logo se adiantando:
-Bem que eu vi um monte de gente de branco, com pano branco na boca se movimentando pela cidade bem longe daqui. Eles diziam que era pandemia que estava chegando. Eu não entendi direito o que era pandemia, mas sei que falaram num tal vírus que veio das conchunchina. Falaram que foi um morcego que transmitiu o tal vírus pra quem comeu ele...

Seu morcego com asas abertas de cabeça pra baixo no galho entrou na conversa:
-Péra ai, que história é essa! Nessa tal conchunchina eles comem morcegos..éguáaa, e que ainda foi meu parente que transmitiu esse tal vírus¿ Tem coisa errada por ai, sempre eles tem que achar um culpado. Já foi a vaca-louca, a galinha-louca e agora o morcego¿ Por que os tais humanos só culpam os animais ou a natureza em geral e eles nunca fazem nada de errado. Só por ai já dá pra desconfiar.

Dona Andorinha, cansada de mais uma viagem pelo rio Marmelos senta no galho e pede a palavra:
-Eu que já viajei por toda a Transamazônica durante as queimadas e incêndios no ano de 2019, vi anciãos do Povo Tenharim chorar na nascente do rio Marmelos, ao ver tudo queimado até na beira do rio e nem um sinal de peixe graúdo por lá, só peixinhos...eles chorando cantaram reclamando dos homens que tocam fogo em tudo pra virar pasto pra boi... disseram que virá um tempo difícil pela frente, que não terão peixe pra festa tradicional deles, nem caça, porque viram tudo queimado por onde passaram...morreram as caças e também os ovos que iriam germinar novos peixinhos devido o fogo e o calor provocado por ele... Eu acho que os homens tão matando sua própria casa!

Dona Anta, também conhecida por Tapiíra, ainda mascando uns ramos diz:
-Eu vi cacique do Povo Mura do Itaparanã morrer de câncer...ele passou maior parte de sua vida lutando pela demarcação da terra de seu povo...os homens de poder parecem não ligar pro direito ao território comunitário, só defendem a propriedade privada deles...mas seu povo continua sua história e sua luta, cuja território foi demarcado com seu próprio corpo!

Seu Queixada, sobrevivente de um grupo que foi atacado por caçadores da beira do rio Juruena, chegou cansado e pediu logo a palavra:
-Eu vi os ditos humanos fazendo barreira de cimento no rio Aripuanã, no rio Madeira, no Teles Pires, no Tapajós e no Xingú e agora querem fazer também no Juruena, eles chamam de hidrelétricas. Eles querem gerar energia elétrica pra manter as cidades tudo acessas noite e dia...mas não se preocupam com os animais, nossos parentes, com os parentes deles que vivem nas margens destes rios. Eles só pensam em ganhar dinheiro. Querem transformar tudo em mercadoria, até a água do rio! E por onde eles já passaram, acabaram com os peixes, com muitos tipos de vida, com a floresta e até com os humanos que parecem ser menos humanos que eles!

Macaco Prego ao escutar esta história pulou de galho em galho e entrou na conversa:
-Eu vi com esses zóios que a terra a de comer que, tem um monte de barcaças navegando pelos rios da Amazônia...levam de tudo...alimentos para as populações que moram nas beiras dos rios, mas principalmente muita semente de uma tal de soja, que mesmo que caia no chão não germina, não nasce outro. Levam vários tipos de minérios valiosos. Mas vi também pessoas morrerem porque eles passam por cima dos motorzinhos pequenos dos ribeirinhos quando lhes atravessam na frente, ou os alagam pelos banzeiros forte provocados por estas barcaças...eles chamam isso de hidrovia, via por onde levam riquezas... mas vi que tem poucos barcos e apertados para levar os moradores das beiras desses rios...isso não tá certo!

Dona Arara Azul abre bem as asas e pede a palavra:
-Eu vi muita coisa nas minhas viagens pela imensa floresta amazônica. Vi muitos homens roubando filhotes de minhas parentas araras, papagaios, periquitos entre outros. Eu fui atrás para saber o que faziam com nossos filhotes e descobri que vendem para pessoas do Brasil e de fora. Eles levam nossos filhotes e trocam por muito dinheiro. Alguns de nossos filhotes vão servir pra estudo em laboratório e outros para servir de enfeite nas casas. Como podem dizer que são humanos senão respeitam nosso modo de viver livres!

Dona Onça Pintada, rosna de canto da boca, arrepiando os demais e vai logo falando:
-Eu vi esses tais humanos criarem leis e não cumprirem. Eles matam nossos parentes para tirar couro para vender a compradores que pagam caro e depois eles colocam palha dentro como se estivéssemos vivos. Tem até lugar onde nos expõem para que todos nos vejam empalhados, nos museus... as pessoas tiram fotos junto conosco e dizem que nós não existimos mais e que nós éramos ferozes e que comíamos humanos e por isso nos matavam. Eles não falam a verdade. Nós só atacávamos quem entrava em nosso território ameaçando nossos filhotes. Será que direito a legitima defesa é só pra eles e nós parte desta natureza não temos direito a vida¿

Bem-Te-Vi que ouviu cada um pediu novamente a palavra:
-Eu vi eles falando do tal do vírus que espalha rapidamente... mas, parece que só mata os tais humanos...Ufaaa! Pelo menos dessa ameaça estamos livres! Eu não fiquei alegre mesmo assim, porque eles falaram que este tal coronavírus mata principalmente os mais idosos. Não entendi direito o porquê. Mas, nem fui lá perguntar só de medo. Disseram que já matou muito na China, na Itália tá matando até nos tal dos Estados Unidos e que tá chegando no Brasil e já tem gente morrendo. Não escapa ninguém se as pessoas não se cuidar...

Gavião Real vendo a tristeza do Bem-Te-Vi com pose de rei abre as asas e diz:
-Eu não sei muito desse coronavírus ai... só sei que nada sei... mas sei que passando lá pelas bandas onde vivem os Yanomami, região que tem muita gente chamada de garimpeiro cavando o chão, escutei um ancião sabedor tradicional dizer ao redor de uma fogueira em noite de lua cheia: “o tal do homem branco tá bagunçando com a terra...tá virando o que é de baixo pra cima e de cima pra baixo...por isso tá parecendo tipos de doenças que ninguém conhece e matando todo mundo, os que bagunçam com a terra e nós os filhos da terra”... Só sei que foi assim.

Bem-Te-Vi retoma a palavra e continua:
-Eu tô preocupado com nossa vida na floresta amazônica...esse vírus pode até não nos afetar, mas vai matar até os humanos que são nossos aliados, que nos respeitam e que convivem com a gente. Já pensou se esta tal de pandemia chega numa aldeia ou numa vila na beira destes rios¿ A maioria nem sabe o que é atendimento de saúde, nem o que é vírus, não tem como chegar à cidade a tempo pra se tratar e pode ser que nem tenha lugar pra eles na cidade... Eu tenho uma proposta: vamos sair floresta a dentro, beira de rio, onde tiver um humano e vamos avisar pra eles não irem pra cidade e nem receber estranhos em suas casas, o que vocês acham¿

Todos concordam com a proposta e saem em debandada, cada um ao seu modo, avisar os povos da floresta e das águas que tem um vírus vindo ai, mas que se ficarem isolados poderão sobreviver.

Dona Arara ainda opina:
-Assim nós teremos eles como nossos aliados por muito tempo...

Iremar A. Ferreira (24\03\2020) em tempos de reclusão...

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