terça-feira, 24 de março de 2020

PORQUE TEMOS MEDO DA MORTE NO SÉCULO XXI ? #históriadaamazonia

"QUEM TEM MEDO DA MORTE NÃO NASCE E NEM VINGA..."


Em tempo de pandemia, quer dizer, em tempo de coronavírus, COVID-19, em tempo de reclusão, as reflexões nos saltam às memórias de leituras e vivências ao longo deste anos junto e com os povos indígenas na Amazônia brasileira, que me induz a escrever algo.

Me recordo que lendo algo sobre os indígenas Nambikquara ou Nambikwara, quando da passagem da Rodovia Marechal Rondon, atualmente conhecida por BR 364, de maneira forçada ainda na década de 70, toda de terra em cima do territória desta grande Nação indígena, que aos poucos foram sendo divididos, entre grupos do cerrado e grupos do vale...abriram um corredor da morte!

Podemos chamar de corredor da morte porque os Nambikquara assim definiram que esta abertura da Rodovia BR 364 significou "uma grande noite na vida deste povo". É preciso compreender a lógica governamental da época para compreender as consequências e qual a conexão que faço com o coronavírus.

Década de 70, regime militar, a ordem era "levar homens sem terra, para terra sem homens" e ocupar "um vazio demográfico", estratégias de Golbery do Couto e Silva (http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/c/couto-e-silva-golbery-do) e companhia. Para eles os povos nativos não eram nada, portanto poderiam ser remanejados de qualquer forma para atender aos interesses da Nação. Não fazia sentido violar este direito imemoriável dos Nambikquara, bastava seguir com o traçado da rodovia no sentido que ela vinha de Campo Novo, Sapezal e seguir em linha reta para Vilhena (seguindo a linha telegráfica) que, era a meta a ser alcançada, para depois rumar para Porto Velho e futuramente Rio Branco no Acre.

Contudo, a geopolítica da época já visava expandir os campos de produção de grãos na região onde os indígenas habitavam. Já tinham conhecimento dos vastos campos ai existentes pelas inúmeras expedições feitas, entre elas as do etnográfico Curt Nimuendajú e Levy Strauss.

A "grande noite" chegou no século XX e quase que dizimou o "povo das cinzas" (https://noticiastudoaqui.com/artigo/2018Ju27jN225b33a992). Não foi pelo rifle dos invasores não, nem por açúcar envenenado ou até mesmo arsênio, como no caso dos Cinta Larga, cujo etnocídio entrou para a História como Massacre do Paralelo 11 (https://terrasindigenas.org.br/noticia/17879), na região noroeste do Mato Grosso, às margens do rio Juruena. No caso dos Nambikquara as doenças se encarregaram de promover este quase genocídio, com a ajuda da estratégia militar de remover povos de um lugar para outro, com a promessa de tratamento de saúde após os contaminar, distanciando famílias. Algumas não aceitaram a remoção forçada para o Vale do Guaporé e fugiram para o cerrado e floresta alta, pra terra firme. Aos doentes e convalescidos sobrou as áreas de alagadiços no vale, deixando dessa forma, uma grande área que brevemente seria ocupada por empresas de regularização fundiária que, em nome do governo da época, vendiam estas terras para grandes investidores, com a promessa de que a BR 364 seria asfaltada e o lucro seria certo.

No início dos anos 80, com recursos do Banco Mundial, via projeto Polonoroeste é dado início ao processo de asfaltamento da BR 364, estendendo a grande noite dos Nambikquara. Agora, de forma acelerada veem a floresta ser cortada em vasta extensão. Veem nos anos 90 a agropecuária tomar conta e logo as grandes extensões de lavouras de soja.

No final dos anos 90 as consequências desta grande noite é sentida com grande intensidade. Os sobreviventes com muita luta, tiveram alguns direitos garantidos, entre eles o atendimento à saúde, o que permitiu que voltassem a crescer demograficamente, embora com território limitado e sem garantias contra os invasores que, de forma estratégica, ano pós ano foram empurrando os limites e deixando ainda mais pequena as terras demarcadas. Agora o vírus que assola é o agrotóxico. Esse mata à distância. Mata o peixe dos rios, as caças, os pássaros, contamina as fontes de água e as pessoas expostas às nuvens de venenos (https://portal.fiocruz.br/video-nuvens-de-veneno ).

Como se não bastasse tudo isso, os Nambikquara agora enfrentam mais um grande desafio o tal do Coronavírus que, assola todo o planeta, deixando um rastro de morte e destruição de famílias, culturas e economias. Será a extensão da grande noite em pleno Século XXI, quando a tecnologia domina corações e mentes, chegando até nas aldeias deste povo, com cujos celulares acompanham notícias de que a morte vem pelo vírus que tem nome e sobrenome.

Mas, ao mesmo tempo se veem envoltos na grande noite novamente porque as políticas públicas de saúde estão longe de atender ao surto nas cidades e imagina nas aldeias longínquas, de difícil acesso e o que pior, fora do eixo de prioridade governamental na atualidade, cuja liderança máxima defende acabar com as terras indígenas, o que por tabela entra os moradores destas, ou seja, prega e pratica o etnocídio por sucatear e tentar extinguir ações de saúde e proteção fundiária.

Assim como os Nambikquara, todos os povos indígenas brasileiros com terra ou sem terra demarcada, lutam como se fosse a última luta de suas vidas para evitar que esta pandemia chegue até as aldeias, o que representaria dizimação total e realização de um sonho do atual governo. Frente a isso, distribuindo coragem aos não indígenas, povos de todo o Brasil se unem contra o coronarovírus e o Covid-19 e afirmam que "quem tem medo de morrer não devia ter nascido". São mais de 520 anos de resistência e não é agora que vão nos vencer.

Com muita responsabilidade os movimentos organizados indígenas, suspenderam por questão de segurança física e cultural, diante do avanço da pandemia do vírus da morte do capital, as manifestações de rua contra o desgoverno atual. E, de forma coerente em defesa da vida de cada pessoa em primeiro lugar, conclamam que todos fiquem em suas aldeias e que não deixem estranhos entrar, para vencer os vírus que atentam contra o direito básico fundamental - a Vida.

Todo nosso apoio e solidariedade com cada parente e parenta na luta pela Vida...


Iremar Antonio Ferreira - 25 de março de 2020

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