quarta-feira, 24 de março de 2010

PARA PENSAR EM ANO ELEITORAL...

Mudanças geopolíticas e o Brasil
Cândido Grzybowski*

Na atual conjuntura eleitoral vai ser importante observar como os diferentes atores vão se posicionar diante dos desafios para o Brasil e do quadro externo que está se desenhando. Essa pauta ocupa, desde já, os grandes jornais brasileiros, com foco nas iniciativas e movimentos do governo Lula. O fato é que a geopolítica em mudança aponta para a necessidade de uma nova arquitetura do poder mundial.
O desequilíbrio atual é evidente, sobretudo com a crise. Foi com ela que vieram à tona os limites e a total incapacidade da estrutura atual de fazer face aos desafios de profunda reorganização da economia e do poder no mundo, globalizado do jeito que foi. É neste contexto que precisamos nos situar como brasileiros e brasileiras, perguntando-nos sobre nós mesmos e o mundo. Dada a interdependência planetária, o tamanho do Brasil em população e território, com um enorme patrimônio natural, nossas propostas e escolhas têm impacto sobre o mundo tanto quanto sobre a nossa realidade doméstica. Podemos escolher, sem dúvida, mas o mundo nos cobra cada vez mais responsabilidade.
Vale a pena lembrar aqui alguns desafios incontornáveis e urgentes para a humanidade. A ameaça da mudança climática e a incapacidade da estrutura de poder existente em enfrentá-la de forma adequada, revela de forma dramática o tamanho do problema que temos diante de nós. As grandes corporações -, que controlam as economias e os recursos, afetando o modo como vivemos, sem regulações em sua atuação -, são uma espécie de infraestrutura da globalização que nos levou ao estado atual. Seu descontrole exacerba a destruição natural e a desigualdade social no planeta, levando ao extremo o modelo industrial, produtivista e consumista, que está no centro da questão da crise ambiental. O modo como está organizado o poder atualmente é totalmente incapaz para regular as corporações econômicas e financeiras, principalmente porque elas o contaminam e o corrompem por dentro. O mundo como está, não consegue dar respostas às demandas de uma emergente cidadania planetária, que define um horizonte civilizatório de todos os direitos para todos os seres humanos, sem exclusões e descriminações.
A exclusão social, a pobreza e a desigualdade social são intrínsecas da lógica que organiza a economia e o mundo hoje, feito para gerar e acumular riquezas e não para gestar sociedades sustentáveis e justas. Por isso, o poder que aí está, com suas raízes presas nas entranhas de um sistema social excludente e ambientalmente destrutivo, não tem capacidade para atender à necessidade de reorganizar as condições de existência, apontando para sociedades sustentáveis, segundo as possibilidades de uso dos recursos naturais e sua regeneração.
Para criar as bases de uma biocivilização, fundada na justiça social e ambiental, as mudanças na arquitetura do poder deverão ser profundas. Estamos diante da necessidade de um mundo organizado segundo outra lógica, de interdependência e responsabilidades compartidas, com maior solidariedade e cooperação, com menos homogeneidade e mais diversidade, segundo os ecossistemas e as culturas locais.
Precisamos de uma estrutura mundial capaz de dar lugar a uma relocalização de economias e poderes para melhor atender ao imperativo da sustentabilidade, da democracia participativa com a vibração da gente do lugar, de uma nova relação com a natureza, com centralidade nos bens comuns de todos e todas. Precisamos enfrentar pobrezas e injustiças, sem dúvida, mas isso não pode servir de justificativa para destruir as condições de vida no planeta Terra.
Penso que é neste quadro que precisamos situar o debate sobre o Brasil no mundo. Já estamos participando de processos que nos devem fazer pensar. Estamos no G-20, algo melhor que o exclusivista clube fechado do G-8 – uma invenção dos governos dos países mais ricos para contornar as contradições e condicionalidades de uma organização como a ONU, potencialmente mais democrática. Fomos artífices de iniciativas Sul-Sul que tiveram impacto nas negociações comerciais, especialmente na cúpula da OMC, em Cancún. Depois ficou o fórum Ibas (Índia, Brasil e África do Sul).
Como parte das negociações climáticas e das novas articulações necessárias, acabamos criando em Copenhagen o Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China). O tal “mercado” propôs e acabou realidade o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), grupo das grandes economias emergentes. Aqui na região, o Brasil tem um papel de destaque na União da América do Sul (Unasul), uma construção política da própria ideia de região. Mas o Brasil é também a principal força de empuxe da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Irsa) e as grandes corporações sob controle acionário de capital brasileiro se multinacionalizam com volúpia para controlar fatias da economia latinoamericana, processo aliás que se estende para a África.
Enquanto isto, do ponto de vista econômico, a presença brasileira no mercado mundial é cada vez mais pela via de produtos primários, produtos que tem a natureza como seu componente principal. Enquanto o mundo discute formas de destruir menos, nós vamos fundo no extrativismo dos bens comuns naturais!
Afinal, o que significa tudo isso? Que Brasil emerge nesses processos? Esse é o papel que o mundo precisa, dados os desafios que assinalei acima? Novas articulações e mudança na geopolítica mundial se fazem necessárias. Mas para repor o poder no lugar de sempre? Para mais mercado aos produtos dos países emergentes ou para outro modo de organizar as economias e as sociedades do mundo? Para fazer o que até aqui foi exclusividade dos países industrialmente ricos, imperialistas e ex-potências coloniais? Ou para mais solidariedade nas relações entre povos e sustentabilidade da vida no planeta, com sociedades baseadas nos princípios de equidade, justiça social, respeito à diversidade, participação social e uso sustentável dos recursos naturais? Espero que tal debate tenha lugar na conjuntura eleitoral e nós, cidadãs e cidadãos, tenhamos visão do alcance mundial da escolha que fizermos.
*Sociólogo, diretor do Ibase
Publicado em 19.03.10, no Informativo IBASE

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